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  • Arauz & Advogados

LIA e alterações implementadas pela Lei nº 14.230/2021: Divergências interpretativas

Por Fernando Henrique Luz, advogado do Setor Direito Administrativo em Araúz Advogados.


A Lei de Improbidade Administrativa visa assegurar a integridade do patrimônio público e social” (art. 1º, caput) e possui relevância em quaisquer relações desenvolvidas junto ao Estado, seja no campo regulatório, vide tratamentos junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ou quaisquer interlocuções junto aos órgãos da Administração Pública, como licitações, contratos administrativos e parcerias em geral.


É essa Lei, que paralelamente ao Direito Penal, prevê severas sanções àqueles que se aventurarem na tentativa de (i) enriquecerem-se ilicitamente; (ii) causarem lesão ao erário público; ou (iii) utilizarem-se de subterfúgios ofensivos aos princípios caros à Administração Pública, tais como honestidade, imparcialidade, legalidade, dentre outros, tudo em detrimento do melhor interesse público.


Em sua versão original, a Lei em referência já despertava calorosos debates, com oscilações de entendimento ao longo dos anos desde sua vigência. Em destaque a prescindibilidade do dolo em relação às hipóteses prescritas pelos artigos 9º, 10 e 11 e a precritibilidade das sanções e eventual ressarcimento de valores subtraídos do erário público.


Com o advento da Lei nº 14.230/2021, as divergências apenas se acentuaram, com perspectiva bem pouco segura em relação à vigência plena do diploma legal, tendo-se em vista a conformação da Lei de Improbidade Administrativa na seara do direito administrativo sancionador (art. 1º, § 4º) e a retroatividade da norma penal em benefício ao réu (art. 5º, inciso XL da Constituição Federal de 1988). Nesse ponto pairam dúvidas relevantes quanto à aplicabilidade da nova Lei em casos em curso, em grau recursal e mesmo com o trânsito em julgado certificado. O Supremo Tribunal Federal, aliás, estabeleceu repercussão geral a partir do Tema 1199, pendente de julgamento, no qual se visa a ”Definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente”.


A retroatividade da alteração legislativa possui relevância em diversas frentes, mas se destaca com a implementação da prescrição intercorrente, que vincula dever de agir do Ministério Público em sucessivos marcos interruptivos. Em sentido prático, caso reconhecida a retroatividade da norma para as ações vigentes ou julgadas, haverá a extinção do ímpeto punitivo em milhares de demandas. É que em raras hipóteses a celeridade estatal consegue suplantar quatro anos (art. 23, § 8º) entre o ajuizamento da ação até sentença condenatória, ou entre esta e acórdão condenatório ou reformador de sentença de improcedência e assim sucessivamente (art. 23, § 4º, incisos I ao V).


Outro aspecto de especial debate, é a legitimidade para se propor ações de improbidade administrativa. Anteriormente à alteração legislativa, dentre o rol de legitimados como autores da referida ação, constavam os relacionados pelo art. 17, caput, incluindo o Ministério Público e pessoa jurídica interessada (entes da Administração Pública). Com a nova redação do dispositivo implementada pela Lei nº 14.230/2021, o Ministério Público passou ao monopólio das ações de improbidade administrativa, sendo o único legitimado. Em importante decisão monocrática de perspectiva cautelar, na ADI 7042, proposta pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), o Ministro Alexandre de Moraes suspendeu os efeitos desse dispositivo legal em sua nova redação, pois, dentre outros fundamentos, “A supressão da legitimidade ativa das pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa caracteriza uma espécie de monopólio absoluto do combate à corrupção ao Ministério Público, não autorizado, entretanto, pela Constituição Federal, e sem qualquer sistema de freios e contrapesos como estabelecido na hipótese das ações penais públicas”.


A toda evidência, a Lei de Improbidade Administrativa, com as alterações implementadas pela Lei nº 14.230/2021, reveste-se de perfil adicionalmente garantista, mais equiparado ao Direito Penal, beneficiando o réu em relação às dúvidas substanciais no efetivo interesse em lesar a Administração Pública, bem como introduziu ao processo respectivo o dever se perquirir o resultado com mais racionalidade, sem tornar o processo judicial uma punição em si, a partir de infindáveis anos de tramitação, muitas vezes com a imposição de severas medidas cautelares, como indisponibilidade de bens, dentre outras. De outro lado, incidem severas críticas sobre o suposto interesse na impunidade ampla, considerando o consequente arquivamento de milhares de demandas, que não mais se aderem às condições e condutas puníveis pela Lei de Improbidade Administrativa.


É certo, no entanto, que resguardada a frustração momentânea, os operadores do direito deverão adaptar-se às novas condições, quiçá provocando uma Justiça mais célere e superiormente harmonizada com importantes preceitos constitucionais, basilares do próprio Estado Democrático de Direito, tais quais a presunção de inocência, devido processo legal e dignidade da pessoa humana.

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