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A Reforma do Código Civil e o novo Direito Civil Digital

Atualizado: 12 de abr.

Por Mariana Santos Rodrigues, Advogada no Setor de Direito Internacional do Araúz Advogados


O Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, em substituição ao Código de 1916.

 

Em agosto de 2023, o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, anunciou a criação de uma comissão de juristas para apresentar um anteprojeto de atualização do Código Civil, oportunidade na qual ressaltou que “a atual legislação precisa acompanhar as mudanças promovidas pelas transformações das relações sociais, levando em consideração a dinâmica dos tempos atuais.”[1]

 

A comissão de juristas responsável pela revisão de atualização do Código iniciou os trabalhos em setembro de 2023, após a formação de comissão presidida pelo Ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça e, como vice-presidente, o também Ministro do STJ, Marco Aurélio Bellizze. Também integram a comissão dois relatores-gerais: os professores Flávio Tartuce e Rosa Maria de Andrade Nery.

 

A comissão definiu a criação de grupos de trabalho temáticos, denominados subcomissões, sendo estas: parte geral; obrigações e responsabilidade civil; contratos; empresa; direito de família; sucessões e direito digital.[2]

 

O texto produzido a partir do trabalho das referidas subcomissões foi apresentado em 26 de fevereiro de 2024.

Conforme regulamento Interno da Comissão de Juristas, o relatório aprovado passará ao Presidente do Senado Federal e, somente após, será convertido em projeto de lei.

 

O trâmite para atualização e revisão do Código Civil coloca em evidencia que ainda há um longo período até a efetiva aprovação do texto, de maneira que se pretende apresentar apenas uma breve análise de alguns dos temas que foram objeto de discussões e alterações, tendo em vista que o anteprojeto se origina de pesquisas perante a sociedade civil, entendimento da jurisprudência e audiência públicas, visando a adequação da lei às transformações sociais.

 

Assim, tendo em vista a disponibilização do relatório final com a redação atual do Código Civil em comparação com a redação aprovada pela Relatoria-Geral[3], verificam-se alterações e inclusões na parte geral e especial em matérias que abrangem desde os direitos da personalidade, responsabilidade civil, contratos em geral até a inclusão de um livro complementar, denominado “Do Direito Civil Digital”.

 

No que tange aos direitos da personalidade verificam-se propostas de alterações do Art. 11 e proposta de inclusão ao Art. 11- A:

 

Redação Código Civil 2002

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Redação Relatoria-Geral

Art. 11. Os direitos e princípios expressos neste Código não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio e nos tratados internacionais dos quais o País é signatário, para a proteção dos direitos fundamentais nas relações privadas e dos direitos de personalidade, inclusive em seus aspectos decorrentes do desenvolvimento tecnológico.

 

Art. 11-A. A eficácia civil de direitos fundamentais abrange todos os objetos pertencentes à natureza humana, suas essencialidades e potencialidades.

§ 1º Os objetos de direitos fundamentais são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação abusiva, quer no ambiente natural, quer no ambiente virtual.

§ 2º Não são atingidos pelas restrições do parágrafo anterior os efeitos patrimoniais que decorrem de operações jurídicas frutos da intelectualidade humana.


As alterações alcançam também o art. 186, que trata do ato ilícito, mediante a inclusão da ilicitude decorrente de atividade em meio virtual.


Redação Código Civil 2002

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

Redação Relatoria-Geral

Art. 186. A ilicitude civil decorre de violação a direito, ou de descumprimento de dever reconhecido.

§ 1º A ilicitude pode provir de fato natural, de atividade ou ação humana, intencional ou não, ocorrida em ambiente natural ou virtual;

§ 2º. À ilicitude civil verificada em razão de relação pré-contratual, contratual ou pós-contratual, além das disposições do Título I, aplica-se o disposto nos artigos de 389 a 420 deste Código.


Merece destaque a inclusão do livro complementar, denominado “Do Direito Civil Digital” que “visa a fortalecer o exercício da autonomia privada, a preservar a dignidade das pessoas e a segurança de seu patrimônio, bem como apontar critérios para definir a licitude e a regularidade dos atos e das atividades que se desenvolvem no ambiente digital.”[4]

 

Neste ponto cumpre destacar a caracterização de ambiente digital, plataforma online, plataforma digital de grande alcance, além de disposições específicas acerca dos direitos das pessoas naturais ou jurídicas no ambiente digital, tais como o reconhecimento da identidade, presença e liberdade no ambiente digital, proteção de dados e informações pessoais, garantia dos direitos de personalidade e liberdade de expressão no meio digital.

 

O projeto prevê, em capítulo específico, as situações jurídicas no ambiente digital, classificando como situações jurídicas digitais todas aquelas que resultem responsabilidade por vantagens ou desvantagens, direitos e deveres entre pessoas naturais, pessoas jurídicas, entidades digitais, entre outros.

 

Outro avanço destacado no projeto decorre do reconhecimento das assinaturas digitais nas modalidades de assinatura eletrônica simples, avançada e qualificada.[5]

Por fim, o Capítulo VII dispõe sobre a celebração de contratos por meios digitais[6], destacando que as mesmas regras que regem os contratos celebrados por instrumentos particulares ou públicos também se aplicam à regência da contratação feita em ambiente digital, aplicando-se os princípios da imaterialidade, autonomia privada, boa-fé, equivalência funcional, segurança jurídica e função social do contrato.

 

Assim, ainda que não se tenha previsão para aprovação do projeto, as mudanças destacadas evidenciam que a proposta incorpora avanços tecnológicos que demandam regulação específica refletindo as transformações da sociedade nos últimos vinte anos.


[4] Art.. A disciplina de Direito Civil Digital, conforme regulada neste Código, visa a fortalecer o exercício da autonomia privada, a preservar a dignidade das pessoas e a segurança de seu patrimônio, bem como apontar critérios para definir a licitude e a regularidade dos atos e das atividades que se desenvolvem no ambiente digital.

 Art. . São fundamentos da disciplina denominada Direito Civil Digital:

I - o respeito à privacidade à proteção de dados pessoais e patrimoniais, bem como à autodeterminação informativa;

 II - a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;

III - a inviolabilidade da intimidade, da honra, da vida privada e da imagem da pessoa;

 IV - o desenvolvimento e a inovação econômica e tecnológica;

V - na livre iniciativa e na livre concorrência;

VI - na inclusão social, promoção da igualdade e da acessibilidade digital; e

 VI – no efetivo respeito aos direitos humanos, ao livre desenvolvimento da personalidade e dignidade das pessoas e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

Art. . A atuação civil da pessoa, pela prática de atos ou pela realização de atividades, como protagonista, ou como receptor de seus efeitos, em ambiente digital, ou em qualquer outro ambiente favorecido por técnica predisposta pela rede mundial de computadores, regula-se, também, por este livro.

 

[5] Art. São modalidades de assinaturas eletrônicas, para os devidos fins deste Código:

 I - assinatura eletrônica simples: a) a que permite identificar o seu signatário; b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário;

 II - assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: a) está associada ao signatário de maneira unívoca; b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável; III - assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200- 2, de 24 de agosto de 2001. §º1. A assinatura digital qualificada comprova a autoria do documento, vinculando-o ao titular do respectivo certificado. §2º. A assinatura, por si só, não constitui prova da capacidade ou da ausência de vícios na manifestação de vontade, o que pode ser demonstrado por qualquer interessado.

[6] Entende-se por contrato digital todo acordo de vontades celebrado em ambiente digital, incluindo mas não se limitando a contratos eletrônicos, pactos via aplicativos, e-mail, ou qualquer outro meio tecnológico que permita a comunicação entre as partes e a criação de direitos e deveres entre elas, pela aceitação de proposta de negócio ou de oferta de produtos e serviços;

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