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Covid-19 e a discussão sobre doença ocupacional

Por Matheus Sandoli Dias, advogado no setor de Direito do Trabalho em Araúz & Advogados


Tema de maior relevância no cenário mundial ao longo do ano de 2020, a Covid-19 (coronavírus), também adentra no âmbito das discussões jurídicas. E, de modo significativo, atinge toda a estrutura das relações laborais, vide exemplo, a transição repentina de trabalhadores para a modalidade home office, as suspensões de contrato de reduções de jornada, além do aumento no número de demissões, entre tantos outros efeitos advindos com a pandemia.

Dentre as tantas dúvidas que surgem com essas alterações na realidade dos contratos de trabalho, uma delas, e de grande relevância, é se a Covid-19 pode ou não ser considerada como uma doença do trabalho e, em caso positivo, como podem as empresas se protegerem quanto a este eventual passivo trabalhista.

O art. 20 da lei nº 8.213/91 conceitua o que é uma doença do trabalho (ou equiparada a acidente de trabalho) e, de modo sintético, descreve como sendo aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho. Com esse conceito em mente, é possível, numa análise incipiente, entender que a Covid-19 pode ser uma doença do trabalho, caso adquirida no exercício do labor.

Mas a discussão não pode ser tão superficial e deve ser feita com base em todo o conjunto de elementos tanto do ordenamento jurídico, como da realidade científica conhecida da doença.

O Governo Federal em duas oportunidades tentou regular, mesmo que superficialmente esta questão, mas em ambas não houve sucesso.

A primeira foi através da edição da Medida Provisória nº 927, a qual em seu art. 29 determinava que os casos de contaminação por coronavírus não poderiam ser considerados como ocupacionais, todavia, este artigo perdeu sua eficácia após decisão do STF.

Em segunda oportunidade, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 2.309, a qual incluía a Covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), no entanto, a Portaria foi revogada um dia após sua publicação.

Assim, no atual cenário, o primeiro ponto a ser considerado para desconsiderar a Covid-19 como uma doença do trabalho – através do princípio da analogia – é a exceção trazida na alínea “d” do § 1º do art. 20 da lei nº 8.213/91. Em referida norma são excetuadas do conceito de doença laboral aquelas consideradas como endêmicas na região em que reside o trabalhador.

A Covid-19 não é considerada uma doença endêmica, mas epidêmica (pandêmica pela abrangência em diversos países), porém, é fato notório a sua facilidade e velocidade de contaminação, sendo quase impossível determinar o momento exato em que uma pessoa foi exposta e contaminada pelo vírus e, por isso, é razoável que seja incluída na exceção citada acima.

Neste contexto de dificuldade na identificação da contaminação, entra o segundo ponto a ser considerado para desconsiderar a Covid-19 como uma doença laboral, que é justamente ser impossível (ou ao menos improvável) determinar que a contaminação ocorreu no ambiente de trabalho.

Trata-se de uma prova diabólica (impossível), prevista no art. 373, § 2º do CPC. Assim, tanto para o trabalhador (em caso de fato constitutivo de direito) ou do empregador (em casos modificativos ou extintivos de direito), é extremamente difícil que se faça a prova capaz de determinar que, de fato, houve um contágio no ambiente de trabalho ou que este contágio tenha ocorrido em outro ambiente.

Aliado aos fundamentos acima, para que sejam evitados problemas futuros, atualmente a melhor forma das empresas se prevenirem deste passivo trabalhista é através da adoção de medidas rígidas de higiene, segurança e prevenção.

Numa eventual e futura discussão judicial, a empresa deverá demonstrar que tomou todos os cuidados necessários para evitar a disseminação do vírus no ambiente de trabalho, tais como, utilização de todos os EPI’s necessários (máscara, luvas, etc), além de constante higienização dos postos de trabalho, distanciamento mínimo entre os trabalhadores, entre tantas outras orientações expedidas por órgãos competentes.

É fundamental que o empregador documente todas as medidas que forem adotadas para que, justamente, consiga demonstrar que não foi negligente com o cuidado de seus funcionários e que não pode ser penalizado por uma doença sem precedentes e que aflige toda a população mundial.

Embasado em todos os pontos aqui expostos, o empregador terá muitos argumentos para que se defender em futuras discussões judiciais, no entanto, é um tema extremamente novo e apenas com o tempo, aliado a um bom trabalho de prevenção e orientação, é que começarão a surgir as respostas do poder judiciário.

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