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Cooperativa: alguns exemplos de sua singularidade

Por Paulo R. Stöberl, Advogado em Arauz & Advogados e professor no mestrado em Gestão de Cooperativas (PPGCOOP) - PUC/PR.


O Brasil possui bons exemplos de cooperativas estáveis e eficientes, economicamente fortes e que agregam um número elevado de cooperados, (OCEPAR, 2020)[1]. Com a presença cada vez mais crescente dessas sociedades se faz necessário a atuação de advogados especializados na matéria cooperativista, de forma a compreender sua dinâmica estrutural e atuar no vetor de seu desenvolvimento, separando os institutos próprios afeitos ao Direito Cooperativo dos institutos do Direito Empresarial, que são diferentes, (Franke, (1978), Bulgarelli (1998) e Stöberl (2018))[2].


O direito cooperativo, entendido como conjunto de normas que regem o tipo sociedade cooperativa – instrumento de realização do ideário cooperativista – é hoje um direito legislado, que procura ajustar-se à tipicidade jurídica da cooperativa, dando-lhe uma regulamentação que não é a das sociedades por ações, a das sociedades de responsabilidade limitada etc. (Franke (1978), p. 131).

Em análise à Lei 5.764/71, tome-se por exemplo o comando do inciso VI, do artigo 68, quando destina o remanescente do patrimônio e os fundos legais para a União [antigo BNCC], ao invés de distribuí-los aos sócios, como ocorre em todas as outras sociedades privadas no Brasil. A razão deste comando legal encontra-se na base sociológica da ideia da estrutura cooperativa e pode ser encontrada nas explicações da literatura, por exemplo, na doutrina de Charles Gide (1933 e 1941)[3] e George Fauquet (1980)[4] - autores clássicos do cooperativismo - que explicam a constituição de um patrimônio coletivo a serviço dos associados, com a função de ser o lastro para a prestação de serviços aos cooperados (presentes e futuros), portanto, indivisível entre os membros da sociedade.

Outro exemplo é a singularidade de voto dos cooperados, instituto pelo qual se impede a existência de grupos majoritários de associados, uma particularidade de governança existente apenas nas cooperativas. Essa forma prescrita pelo artigo 4º, inciso V e artigo 42 é herança do modelo rochdaleano (um homem, um voto), sendo que em todos os outros tipos societários o voto é atrelado ao capital social, exceto nas cooperativas. Ou ainda outro exemplo da natureza própria da cooperativa, o direito personalíssimo de voto, vedado seu exercício por mandato, segundo dispõe o texto do parágrafo 1º, do artigo 42[5].

Também se pode observar a forma sui generis de distribuição de resultados, prevista pelo artigo 4º, no inciso VII[6], como característica distintiva da cooperativa frente às outras sociedades. Ou mesmo a vedação de distribuição de resultados aos membros da cooperativa, nas operações próprias da sociedade, artigo 87[7]. Questão inimaginável para aplicação às sociedades empresárias, pois essas operações são a razão de existência da empresa, não havendo possibilidade estrutural de não se distribuir resultados de operações sociais entre os sócios.

Até mesmo a Constituição Federal reconhece a singularidade estrutural da cooperativa, por exemplo, no comando do parágrafo 2º, do artigo 174 que atribui às cooperativas uma “função social” relevante, cuja consequência foi criar um vetor para que o Estado estimule e apoie o cooperativismo, na edição das suas normas. Ou ainda, o texto da alínea “c”, do inciso III, do artigo 146, que reconhece a especificidade da estrutura funcional da cooperativa, materializado pelo ato cooperativo (qualidade de não-incidência).

Esses são, portanto, exemplos da natureza ímpar da cooperativa e da necessidade de aplicabilidade de normas exclusivas a elas, pois conforme ensina Harry Westermann (1951)[8]: “A peculiaridade econômica do empreendimento [cooperativo] assume ... o valor de elemento fixador do seu conceito jurídico”. A aplicação de normas próprias para as cooperativas são um instrumento para seu desenvolvimento.

[1]http://www.paranacooperativo.coop.br/ppc/index.php/sistema-ocepar/comunicacao/2011-12-07-11-06-29/ultimas-noticias/126179-cooperativismo-maiores-coops-do-mundo-tem-pib-maior-que-o-da-italia. Acesso em 22.07.2020. [2] FRANKE, Walmor. O Direito das Sociedades Cooperativas. São Paulo: Saraiva, 1978. BULGARELLI, W. As Sociedades Cooperativas e sua Disciplina Jurídica. São Paulo: Renovar, 1998. STÖBERL, Paulo R. [org] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Sociedades Cooperativas. São Paulo: LEX, 2018. [3] GIDE, Charles. Compêndio de Economia Política. Porto alegre, Livraria Globo, 1933. GIDE, Charles. História das Doutrinas Econômicas. Rio de Janeiro, Alba Ed, 1941. [4] FOUQUET, George. O Sector Cooperativo. Lisboa: Livros Horizonte, 1980. [5] Art. 41 - ... § 1° Não será permitida a representação por meio de mandatário. (Lei 5.764/71) [6] Art. 4º - ... VII - retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado ...; [7] Art. 87. Os resultados das operações das cooperativas com não associados ... serão levados à conta do "Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social" e serão contabilizados em separado... [8] Walmor Franke (1978), p.118, apud Harry Westermann in "Das rechtliche Wesen der Erwerbs-und Wirtschaftsgenossenchaften", in Vom Wesen der Genossenschaften und ihre steuerliche Behandlung, obra coordenado por Hans- Jürgen Seraphim, 1951, p. 87.

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