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  • Arauz & Advogados

A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro

Atualizado: 12 de jul. de 2023

Por Glauco Iwersen, advogado dos setores de Arbitragem e Direto Internacional em Arauz Advogados


No Brasil, após a edição do Código Civil de 1916, iniciam-se os debates com vistas à elaboração de algumas leis sociais voltadas à proteção dos trabalhadores[1], através da releitura dos princípios iluministas da igualdade e da fraternidade, mediante a efetividade na aplicação do direito, igualdade substancial e respeito às diferenças, com viés nitidamente social.


Acabada a Segunda Grande Guerra e absorvidas suas graves consequências socioeconômicas, a humanidade sentiu a necessidade de buscar um norte, um novo direcionamento com vistas a garantir “a instituição de um autêntico sistema de direitos no sentido estrito da palavra, isto é, enquanto direitos positivos ou efetivos”[2], surgindo assim a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.


A importância dos direitos humanos, na realidade da sociedade pós-moderna, passa pela necessidade do reconhecimento de que “temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”[3] e é a Constituição, no ensinamento de Jorge Miranda[4], que confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais[5], repousando no princípio da dignidade humana e objetivando fazer da pessoa o fundamento e o fim da sociedade.


Assim é que a partir da Constituição Federal de 1988 inicia-se no Brasil o processo de constitucionalização do direito civil, com vistas a adequação dos valores nela consagrados, em razão das transformações sociais ocorridas, tendo como alvo a proteção da dignidade da pessoa humana, havendo assim a necessidade de adequação do ordenamento jurídico à essas transformações sociais.


Neste contexto, ante a necessária proteção específica dos grupos identificados pelo legislador constitucional como vulneráveis, adaptada à dinâmica dos novos tempos, fez surgir o Código de Defesa do Consumidor, no ano de 1990, impondo novas diretrizes no trato das relações de consumo e da proteção contratual entre fornecedores e consumidores, trazendo à baila princípios sociais como o da vulnerabilidade, da transparência, da boa-fé, da equivalência material (equidade), da função social etc.


O segundo marco importante foi o Código Civil de 2002 que, segundo a preciosa lição de Miguel Reale[6] e seguindo a nova orientação constitucional, trouxe à sociedade brasileira novos paradigmas, calcados fundamentalmente em três princípios: da socialidade, da operabilidade e o da eticidade.


Esse novo paradigma do Direito Civil, de aplicação de normas constitucionais, foi fundamental para a elaboração da nova teoria do contrato, pois até então, a concepção que se tinha de contrato, com feição individualista e inflexível, formulado principalmente com base nos princípios da autonomia da vontade e da pacta sunt servanda, demonstrou estar em conflito aos novos valores constitucionais, calcados nos direitos fundamentais da pessoa humana, razão pela qual sofreram fortes mitigações no direito brasileiro a partir do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002, pois estes ordenamentos jurídicos subordinam o contrato aos princípios constitucionais pós-modernos da função social e da boa-fé objetiva, demonstrando a evolução da sociedade na busca do justo e equitativo.

[1] Gomes, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro. Bahia, 1958. [2] Bobbio, Norberto. A era dos direitos. 11. ed. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 26. [3] Santos, Boaventura de Sousa. Para uma concepção intercultural dos direitos humanos. In: Sarmento, Daniel (coord.). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 3-45. [4] Miranda, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Ed., 2009. vol. 4, p. 180-182. [5] Acerca do sistema relativo aos direitos fundamentais, o autor refere que “a conjugação dos diferentes direitos e das normas constitucionais, legais e internacionais, torna-se mais clara a essa luz” (idem, p. 182). [6] Reale, Miguel. Visão geral do novo código civil. Revista de Direito Privado, vol. 9/2002, p. 9-17, Jan-Mar/2002.

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