Por Graziella de Miranda Cabral da Rosa e Thiago Gardai Collodel, Advogados em Araúz Advogados
A transformação das relações de trabalho em razão do avanço da tecnologia, principalmente quando falamos dos meios de comunicação, não é novidade no cenário brasileiro. A Reforma Trabalhista trouxe, como um de seus principais pontos de regulamentação, o regime de teletrabalho, dedicando um novo capítulo para o tema (capítulo II-A, do art. 75-A a 75-E), bem como inserindo o inciso III no art. 62 da CLT, que trata sobre o controle de jornada do empregado em regime de teletrabalho.
A própria CLT, em seu art. 75-B nos traz a definição de teletrabalho: “Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.”
Portanto, a tendência mundial de flexibilização e modernização do trabalho passou a ser seguida pela legislação brasileira, abrindo novos caminhos e perspectivas para as empresas e os trabalhadores, possibilitando a realização do trabalho à distância.
Com a Pandemia do Covid-19 e, consequentemente, a necessidade do combate a propagação do vírus em todo o mundo, diversas medidas de proteção começaram a ser discutidas mundialmente, dentre estas, o isolamento social. Diante dessa necessidade, a realização do trabalho à distância se tornou uma questão de saúde pública, contribuindo para o combate ao coronavírus.
Consequentemente, se tornou também uma medida eficaz para a economia, pois garantiu a continuidade das empresas e de inúmeros empregos.
Tendo como objetivo regulamentar o teletrabalho no período da pandemia o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 927/2020, a qual trouxe flexibilização para as regras trabalhistas durante o estado de calamidade pública, incluindo em seus temas o regime de teletrabalho.
Isto porque a CLT prevê que o regime de teletrabalho deve constar expressamente do contrato individual de trabalho, ou aditivo, caso a empresa pretenda alterar o regime do presencial para à distância, devendo sempre existir o mútuo acordo entre as partes. Prevê também que o regime de teletrabalho não está sujeito ao controle de jornada, devendo o trabalhador acordar sua rotina de trabalho com o empregador.
Ocorre que com a pandemia do Covid-19 não houve tempo ou até mesmo condições para que todas as empresas adimplissem com os requisitos da CLT nesse tópico, até mesmo porque foi determinado o fechamento de atividades não essenciais, bem como o lockdown em vários estados do Brasil, com vigência imediata. Por essa razão, a MP 927/20 flexibilizou essas exigências, tornando mais ágil o procedimento de alteração do regime presencial para o de teletrabalho.
Importante destacar que a MP 927/20 não foi convertida em lei e as suas disposições continuaram válidas, para aqueles que adotaram o ali determinado, apenas até o dia 31/12/2020. Assim, as empresas que hoje optam pela modalidade teletrabalho devem observar os termos dispostos na CLT, não havendo mais a possibilidade de flexibilização.
Porém, a pandemia causada pelo vírus da Covid-19, mesmo com o início das vacinações no Brasil, ainda se encontra em estado crítico, com novas determinações de lockdown nos Estados brasileiros no mês de março de 2021, mostrando que a adoção do regime de teletrabalho ainda é necessária.
Ademais, a crise instaurada pela pandemia causou diversas mudanças no contexto empresarial, alterando as estruturas e as formas de trabalho, obrigando empregadores e empregados a se adaptarem ao novo cenário social e econômico, e tornando o regime de teletrabalho, hoje, talvez a opção principal para diversas empresas e para os trabalhadores.
De um lado, o teletrabalho traz benefícios ao trabalhador, principalmente nas grandes cidades, visto que esse não perde o tempo de deslocamento para o trabalho, além de permitir uma maior flexibilidade na realização das suas atividades, o que acarreta uma maior produtividade. Já para as empresas, o teletrabalho pode representar uma redução de custos, bem como a possibilidade de expansão das suas atividades.
Não obstante, no regime de teletrabalho também devem ser observadas as regras de saúde e segurança do trabalhador, bem como seu direito à desconexão, mantendo sua saúde física e mental, o que exige fiscalização por parte das empresas. Além disso, é importante observar as regras relativas ao sobreaviso, ressaltando-se que, conforme entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, apenas o fornecimento de dispositivos informatizados pela empresa ao empregado para a realização do teletrabalho, por si só, não caracteriza tal regime.
O direito à desconexão, inclusive, é um dos temas atuais em debate tanto no âmbito social, como nos poderes legislativo e judiciário, representando uma garantia fundamental do trabalhador. O direito à desconexão pode ser entendido como a necessidade que o trabalhador tem de se desligar do trabalho após um certo período, sendo esse considerado essencial para sua saúde física e mental, bem como tendo reflexos diretos no seu convívio social.
Com o aumento do número de trabalhadores em regime de teletrabalho, favorecendo a autonomia e flexibilidade de horários, bem como diante da dificuldade de fiscalização por parte das empresas em alguns casos, a desconexão com o trabalho diário pode restar prejudicada. A dificuldade de se desconectar se faz presente pois o trabalhador tem acesso à internet e aos seus dispositivos móveis durante todo o dia, em sua residência que também é seu local de lazer e descanso.
A Justiça do Trabalho vem reforçando o direito à desconexão como garantia fundamental prevista na Constituição e, portanto, sua violação enseja o pagamento de dano extrapatrimonial.
Importante destacar também que, ainda que a Reforma Trabalhista tenha dedicado um capítulo novo para o regime de teletrabalho, as disposições ainda geram muita discussão na Justiça do Trabalho sendo necessário, ainda, a elaboração de disposições claras sobre o tema.
Um exemplo claro está no inciso III no artigo 62 da CLT. Em que pese constar que o trabalhador em regime de teletrabalho não está sujeito ao controle de jornada, tem-se entendido que, caso reste demonstrado que havia o controle indireto, informatizado, este terá direito a horas extras. Portanto, é imprescindível uma regulamentação mais clara, para conferir uma segurança jurídica tanto ao empregado quanto ao empregador.
Com mudanças que ocorreram de forma acelerada, em razão da pandemia, e com a crise econômica e social que o país enfrentará nos próximos anos, é necessário que o teletrabalho passe a ser regulamentado de forma mais extensa e clara, garantindo essa tão importante segurança jurídica das relações de trabalho, com mais tranquilidade para empregadores e empregados.
Impulsionados por essa necessidade, diversos Projetos de Lei já tramitam no Poder Legislativo, procurando suprir as lacunas existentes no tema, bem como atendendo questionamentos que já foram levados pelos empregados à Justiça do Trabalho, principalmente no que tange o tema da jornada, horas extras e questões ergonômicas.
São algumas das propostas em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, ressaltando que a maioria está em regime de tramitação prioritária, tendo em vista a urgência de regulamentação do tema:
· PL 1247/20: Isenta do IPI e reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS para aquisições de equipamentos de informática por trabalhadores que comprovadamente trabalhem na modalidade de teletrabalho, trabalho remoto ou outro tipo de trabalho à distância;
· PL 2251/20: Dispõe sobre Home office/acidente de trabalho, e por toda infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto;
· PL 3915/20: Altera a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1943, para dispor sobre o teletrabalho, tratando da disponibilização de equipamentos de tecnologia e os serviços de dados e de telefonia necessários ao teletrabalho;
· PL 4044/20: Altera o § 2º do art. 244 e acrescenta o § 7º ao art. 59 e os arts. 65-A, 72-A e 133-A ao Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre o direito à desconexão do trabalho;
· PL 4831/20: Acrescenta dispositivo à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, reforçando o regramento sobre Teletrabalho afim de fornecer garantias ao trabalhador;
· PL 4931/20: Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para dispor e regulamentar o teletrabalho, detalhando regras para “regime misto” de trabalho.
Fato é que a regulamentação do teletrabalho se faz importante e necessária, visto que esta modalidade, principalmente após as mudanças trazidas pela pandemia do Covid-19, se torna cada vez mais comum, trazendo benefícios tanto para empresas quanto para trabalhadores. A segurança jurídica do regime de teletrabalho é necessária, e a discussão sobre os seus aspectos cada vez mais importante, para que ambas as partes possam caminhar juntas em direção a relações de trabalho mais justas e equilibradas.
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