Por Rafaela Aiex Parra, sócia e head da área de Direito Ambiental em Araúz & Advogados
O tom da política ambiental face à nova geopolítica enxerga o meio ambiente como um ativo e, portanto, o redirecionamento de fluxo financeiro a projetos verdes ganha força.
Em nosso ordenamento, ao Direito cabe a missão de equalizar as pretensões econômicas, sociais e ambientais, através de normas de conduta públicas e privadas, direcionadas pelos valores e princípios da Constituição Federal. A lei do Código Florestal (12.651/2012) é uma dessas normas.
No Brasil a política ambiental é estruturada juridicamente através de (1) instrumentos tradicionais de comando-controle, composto da descrição de um comportamento tipificado como jurídico, havendo a previsão de sanções pelo descumprimento; e, (2) instrumentos econômicos, que imputam um determinado comportamento a uma sanção positiva, que pode ter o caráter de prêmio, retribuição ou mesmo de facilitação da conduta desejada.
Eis que o Código Florestal dedicou um capítulo inteiro para implementar um “Programa de apoio e incentivo à preservação e recuperação do meio ambiente” (Capítulo X) e lá estão as Cotas de Reserva Ambiental (art. 44) que tem por objetivo o fomento à regularização ambiental de propriedades rurais e, por consequência, porque não dizer, à facilitação de uma Economia Verde, impulsionamento do mercado carbono neutro e efetivação dos objetivos da Agenda 2030 das Nações Unidas.
Na prática, imóvel agrário que tenha área ocupada antes de 22/07/2008, e que tenha Reserva Legal em extensão inferior ao estipulado pelo art. 12, tem a possibilidade de a regularizar, sendo uma das formas legais, a compensação.
Essa compensação, segundo o art. 66, § 5º pode se dar, entre outras formas, pela aquisição de Cota de Reserva Ambiental – CRA. Dentre as regras do art. 66, § 6º, para que a compensação seja feita, é necessária a equivalência de tamanho, a localização no mesmo bioma e, se fora do estado, estar localizada em áreas identificadas como prioritárias pela União ou pelos Estados.
Cota de Reserva Ambiental (CRA) um título nominativo representativo de área com vegetação nativa, existente ou em processo de recuperação, que poderá ser instituída desde que esta vegetação esteja sob alguma forma de proteção jurídica. A sistemática para a utilização da CRA é bem simples e funciona, basicamente, seguindo a lógica do comércio internacional, de cap and trade. Por um lado, há um déficit em um imóvel agrário “x” e, por outro lado, existe a possibilidade de negociação do excedente de floresta nativa no imóvel “y”, que será feito entre particulares, com a regulamentação do Serviço Florestal Brasileiro (Decreto 9.640/2018), por meio do mercado de bolsa de valores.
Após 06 anos de judicialização, o julgamento das ADIS n. 4901, 4902, 4903, 4937 e da ADC n. 42 declarou constitucional o Código Florestal, com pouquíssimas ressalvas e vetos. O julgamento, que aconteceu em fevereiro de 2018, serviria como um ponto final, exceto pela não regulamentação das Cotas de Reserva Ambiental, pois a decisão suscitou incoerência, sobremaneira em relação a dois dispositivos: art. 66, § 6º e art. 48, § 2º.
O texto do art. 48, § 2º, modificado pelo STF, entendeu ser requisito para a compensação via CRA, a identidade ecológica entre os imóveis titular e adquirente. De outro lado, o art. 66, § 6º, que faz referência a todas as formas de compensação ambiental, continuou a adotar o critério bioma e não fez menção qualquer ao termo identidade ecológica.
A insegurança jurídica instalou-se e o mercado tornou-se incipiente e pouco promissor. O STF, ao praticar ativismo judicial, ofendeu ao constitucional Princípio da Separação dos Poderes (art. 2º da CF) e usurpou função que primariamente não lhe cabe: de legislar!
Alterou a Lei Florestal, sem os ritos próprios e criou, em sua decisão judicial, uma terminologia própria, a “identidade ecológica”, que não é conhecida sequer nas ciências afins, mesmo no campo internacional, além disso, não trouxe qualquer explicação técnica nas mais de 600 páginas dos acórdãos publicados sobre o julgamento das ADIS, não conheceu os embargos de declaração opostos e com isso não permite que um importante instrumento seja aplicado ao ordenamento pátrio, ao menos sem que mais recursos sejam interpostos e mantenham a questão sob a batuta do judiciário.
Ao que parece, infelizmente, uma de nossas “Contribuições Nacionalmente Determinadas” no Acordo de Paris vai ficar na gaveta, a de fortalecer o Código Florestal e implementar o moderno mercado das Cotas de Reserva Ambiental. É uma pena, pois na teoria há um meio ambiente quase que intocável, rodeado de belas palavras, mas, na prática, com toda essa judicialização, há um meio ambiente esquecido e relegado à própria sorte.
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