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O FNDR e a promessa constitucional de um Brasil menos desigual

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    Araúz Advogados
  • há 10 horas
  • 4 min de leitura

Por: Gustavo Henrique Galon Fernandes advogado do setor tributário do Araúz


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A Reforma Tributária inaugurada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025 sinaliza um novo capítulo na história fiscal do Brasil. Com foco na simplificação do sistema, na transparência e na justiça tributária, o novo modelo traz mudanças estruturais profundas, como a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Mas em meio à promessa de um sistema mais eficiente e moderno, há um risco silencioso: o de aprofundar as desigualdades regionais do país.

 

É nesse contexto que surge o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR). Mais do que um instrumento financeiro, o FNDR carrega a promessa constitucional de um Brasil menos desigual.

 

O fim dos incentivos fiscais e o risco da estagnação regional


 A nova lógica do IBS, ao seguir o princípio do destino — ou seja, tributar onde está o consumidor — retira dos Estados e Municípios o poder de concessão de incentivos fiscais relacionados a esse imposto.

 

Essa mudança põe fim à tributação na origem, o que significa que os Estados onde estão localizadas as indústrias e os centros de produção deixarão de arrecadar o imposto sobre as mercadorias ali fabricadas, transferindo a receita para o Estado de destino, onde está o consumidor final. Com isso, esses entes federativos não apenas perdem a arrecadação, como também a principal ferramenta que utilizavam para atrair investimentos produtivos: os benefícios fiscais do ICMS.

 

A medida é eficaz para impedir a chamada guerra fiscal e padronizar a tributação, mas pode comprometer o desenvolvimento industrial de regiões produtoras, especialmente aquelas que historicamente usaram os incentivos como forma de compensar desvantagens logísticas ou estruturais. Sem a possibilidade de ofertar benefícios, Estados menos desenvolvidos ficam em posição desfavorável na disputa por investimentos, o que acende o alerta para o risco de agravamento das desigualdades regionais.

 

O FNDR como ferramenta de reequilíbrio federativo


Diante dessa realidade, a criação do FNDR tem como finalidade essencial a promoção do desenvolvimento equilibrado entre as regiões brasileiras. O fundo será constituído com recursos da União e distribuído aos Estados e ao Distrito Federal com base em dois critérios objetivos (art. 159-A, § 4º, da CRFB/1988):

  • 30% com base na população do ente federado;

  • 70% com base na participação no Fundo de Participação dos Estados (FPE).

A responsabilidade pelo cálculo dos coeficientes caberá ao Tribunal de Contas da União, garantindo transparência e técnica à distribuição (art. 159-A, § 5º, da CRFB/1988).

Os recursos do FNDR deverão ser aplicados em (art. 159-A, incisos I a III, da CRFB/1988):

  •  realização de estudos, projetos e obras de infraestrutura;

  • fomento a atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras;

  • promoção de ações com vistas ao desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação.

 

 

Há, ainda, uma ênfase importante: os projetos apoiados devem priorizar ações de sustentabilidade ambiental e redução de emissões de carbono, em consonância com o princípio constitucional da defesa do meio ambiente (art. 159-A, § 2º, da CRFB/1988).

 

Autonomia e blindagem política


A Emenda Constitucional nº 132/2023 estabeleceu que é vedada qualquer retenção ou restrição aos repasses do FNDR (art. 159-A, § 1º, da CRFB/1988). Isso impede, por exemplo, que a liberação dos recursos seja usada como ferramenta de barganha política entre entes federados.

 

Além disso, os Estados e o Distrito Federal terão autonomia na aplicação dos recursos, desde que observem as diretrizes constitucionais e legais, especialmente quanto à sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (art. 159-A, § 2º, da CRFB/1988).

 

Embora o FNDR represente um avanço teórico importante, sua efetividade dependerá de fatores políticos, institucionais e orçamentários. É indispensável que ocorra a alocação adequada de recursos para o fundo, que sua governança seja robusta e que os Estados sejam tecnicamente capacitados para planejar e executar projetos estruturantes.

 

Não se pode repetir o erro de outras políticas públicas que, apesar de bem-intencionadas, foram desidratadas pelo orçamento e capturadas por interesses locais.

 

Um pacto federativo revisitado


O FNDR representa, na essência, uma reinterpretação do pacto federativo. Se os Estados não poderão mais oferecer benefícios fiscais com base no IBS, caberá à União assumir a responsabilidade de promover o desenvolvimento regional por meio de repasses diretos, voltados a finalidades específicas e estruturantes.

Não se trata, portanto, de uma transferência aleatória de recursos. O FNDR é um mecanismo voltado ao investimento e à inovação, com potencial real de transformar as regiões do país, especialmente aquelas negligenciadas pela política econômica nacional.


Considerações finais


A Reforma Tributária foi concebida para ser justa, moderna e eficiente. Todavia, ela só será democrática se for capaz de incluir todas as regiões do país. O FNDR é, nesse cenário, mais do que um instrumento fiscal — é a última fronteira de justiça federativa.

 

Mais do que um simples mecanismo de redistribuição, o FNDR configura uma oportunidade concreta de enfrentar desigualdades históricas que ainda dificultam a construção de um país coeso em termos de oportunidades e desenvolvimento. Sem a efetiva implementação desse instrumento, há o risco de que o novo modelo tributário reforce assimetrias. Com ele, abre-se a possibilidade real de promover um crescimento mais inclusivo, sustentável e verdadeiramente comprometido com a justiça federativa.

 
 
 

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