Por Rafael Mazzotti de Lacerda, Advogado em Araúz & Advogados Associados
No processo de execução, em especial nas demandas envolvendo o crédito rural, não são raras as oportunidades nas quais os executados se opõem à penhora de imóveis rurais invocando a proteção constitucional da pequena propriedade rural.
Embora a CF/88 em seu art. 5°, XXVI, tenha elevado a pequena propriedade rural a direito fundamental do cidadão, tal medida não é de aplicação irrestrita, há necessidade de preenchimento dos requisitos legais autorizadores da medida.
Segundo o supramencionado dispositivo constitucional, “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.”.
Ao mesmo passo da proteção constitucional, o art. 833, VIII, do CPC/15, dispõe que:
Art. 833. São impenhoráveis:
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
Analisando os referidos dispositivos legais, percebe-se a necessidade de satisfação dos seguintes requisitos:
i) Que o imóvel se enquadre na definição legal de pequena propriedade rural;
ii) Que seja trabalhado pela família;
Mas, a quem recairia o ônus de comprovar tais requisitos?
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp n°1.408.152/PR¹, em primeiro momento, decidiu que cabia ao executado apenas a comprovação de que seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural, entendendo, ainda, existir a presunção iuris tantum de que esta, enquadrando-se como diminuta, seria trabalhada pela família.
Ante a referida presunção, nesta perspectiva inicial, transferiu-se ao exequente o ônus de demonstrar que a pequena propriedade não é explorada pela família.
Em que pese a relevância social da proteção da pequena propriedade rural, a qual foi conferida pela Constituição Federal no intuito de salvaguardar a subsistência do pequeno produtor e de sua família, a regra geral do ônus de prova, disposta no art. 373, do CPC, que incumbe ao autor a comprovação do fato constitutivo de seu direito e ao réu a comprovação a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, estava sendo suprimida.
Isto, pois, a arguição de impenhorabilidade é fato constitutivo do direito do executado, sendo o mais razoável que sobre este recaia o encargo de comprová-la.
Aliás, a presunção transferia ao exequente muitas vezes um encargo de difícil comprovação, que na prática, inclusive, poderia implicar em diligências in loco para produção de provas. Por outro lado, ao executado a comprovação poderia se dar de forma direta sem a realização de diligências e, em determinados casos, apenas com simples prova documental.
Sob esta ótica, o recente posicionamento exarado no REsp nº1.843.846/MG², de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgado em 02/02/2021, unanimemente divergiu do entendimento anterior, fundamentando que “o art. 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual, repise-se, consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua família.”.
Asseverou ainda a eminente relatora, que é “ônus do executado comprovar não só que a propriedade se enquadra no conceito legal de pequena propriedade rural, como também que o imóvel penhorado é voltado à exploração para subsistência familiar.”.
Com base no referido julgado, pode-se concluir que o posicionamento recente do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema é o de conferir ao executado o ônus de prova dos requisitos inerentes ao reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural.
¹ Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.408.152 - PR. Fonte em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/433552883/recurso-especial-resp-1408152-pr-2013-0222740-5/relatorio-e-voto-433552889>
² Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.843.846 – MG. Fonte em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1172220576/recurso-especial-resp-1843846-mg-2019-0312949-9/inteiro-teor-1172220586>
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