Por Fernando Henrique Luz, Advogado em Arauz & Advogados
Se por um lado é certo que o Direito Administrativo reserva prerrogativas à Administração Pública, a natureza das suas relações - inclusas sua missão regulatória, contratos e concessões públicas - também impõe sujeições que imprescindem cogente respeito à legalidade, eficiência, publicidade, dentre outros princípios constitucionais e legais caros ao próprio estado democrático de direito.
Porém, não raro se verifica leonina imposição de prerrogativas da Administração Pública face aos entes privados, como se o preceito do interesse público, com status de representação de uma vontade geral, fosse carta branca para o desrespeito ao ato jurídico perfeito, às situações constituídas, aos contratos e quaisquer relações que envolvam a Administração Pública em todos os seus níveis federativos, face aos administrados e parceiros na consecução dos seus objetivos constitucionais.
A grande celeuma reside justamente na dificuldade em se reconhecer os limites impostos à Administração Pública, pois embora a Súmula 473/STF preveja a necessidade de respeito aos direitos adquiridos, há muito a própria segurança jurídica possui preponderância constitucional, conforme o inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Pátria, de modo que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
E não para nisso, já que o ordenamento jurídico pátrio possui vasto material legislativo, que assegura a segurança jurídica nas relações que envolvem a Administração Pública. Ilustrativamente, cita-se o art. 2º da Lei nº 9.784/1999, no qual garante-se que a “Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
A parte disso, no ano de 2018 a Lei de Introdução à normas do Direito Brasileiro - Decreto-Lei nº 4.657/1942, passou por importante reforma (a partir da Lei nº 13.655/2018), visando estabelecer balizas à operacionalização do direito público, com foco especial na eficiência e segurança jurídica em sua criação e aplicação. Foram inseridos os artigos 20 a 30 no diploma normativo, todos destinados ao âmbito do direito público, no qual se insere do Direito Administrativo.
Dispensada a transcrição integral dos referidos dispositivos, destacam-se aqueles que se destinam justamente a aclarar a nebulosa relação entre a segurança jurídica e as prerrogativas da Administração Pública. O art. 20 refere que não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos, ao passo em que toda decisão deve considerar suas consequências práticas. Seu parágrafo único ainda ressalta a obrigatória observação da “necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas”. Já o art. 21 trata da invalidação dos atos administrativos, os quais devem prever expressamente suas consequências, inclusive prevendo-se formas de regularização proporcional e equânime, para que não se criem perdas excessivas.
De modo consequente, o parágrafo 2º do art. 22 prevê limites à aplicação de sanções, estas bem comuns ao direito regulatório, observável precipuamente na atuação de agências reguladoras e órgãos de fiscalização. Segundo o dispositivo, “na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente”.
Sequencialmente, os artigos 23 e 24 trazem importantes guias à concessão de interpretação nova pela Administração Pública a fatos pretéritos ou na invalidação de atos, trazendo a necessidade da previsão de parâmetros de transição e observação de orientações da época, ao respeito de “situações plenamente constituídas”.
Embora não seja novidade o dever de motivação da Administração Pública, o afastamento da arbitrariedade na utilização de valores jurídicos abstratos é imprescindível para que os atos administrativos não se demonstrem meramente protocolares, mas sejam substanciais em sua finalidade.
O que se observa, no entanto, é que há grande resistência dos operadores do direito na aplicação dos novos postulados da LINDB, seja no âmbito do próprio Poder Executivo na consecução dos seus atos, seja pelo Poder Judiciário na sua missão de controle. Raramente notam-se decisões em quaisquer âmbitos que relevem a LINDB e seus postulados.
É essencial ao país e seu desenvolvimento, que sejam assegurados o empreendedorismo, a liberdade e a livre iniciativa, o que somente se fará possível com o respeito à segurança jurídica. Em respeito à legalidade e à LINDB, a missão que se impõe aos operadores jurídicos, em destaque os advogados, é assegurar a sua aplicabilidade substantiva, ainda que como hercúlea missão.
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