Por Tiago Duarte da Silva, advogado em Araúz Advogados.
Com o início da disseminação do vírus COVID-19 no Brasil, responsável pela pandemia que, infelizmente, ainda assola o mundo, as medidas de isolamento e distanciamento social, implementadas pelo Governo Federal, deram ensejo a um aumento exponencial de implantação de regime de teletrabalho nos contratos laborais pelo território brasileiro.
A modalidade de trabalho remoto, que antes era exceção, passou a ter status de regra nos vínculos de emprego espalhados pelos mais variados ramos de negócio brasileiros, trazendo à tona a discussão a respeito da saúde dos trabalhadores expostos ao regime de trabalho homeoffice, em especial quanto à caracterização de acidentes de trabalho ocorridos durante a realização do teletrabalho.
O que difere o trabalho presencial, entendido como aquele exercido nas dependências do empregador, do teletrabalho é, em sua essência, somente o local de prestação do labor pelo empregado. Logo, para fins de estabelecimento de nexo causal ou concausal, não há razão para se aplicar de forma diferente a definição de acidente de trabalho trazida pelo caput do artigo 19 da Lei 8.213/1991, que prevê que “acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho”.
Vale destacar que a lesão sofrida pelo empregado deverá guardar relação com a atividade empresarial do empregador, com previsão, no mínimo, no Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), além de também ser concernente às atribuições inerentes ao cargo ocupado pelo empregado, este de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
Em suma, na ocorrência de acidente de trabalho, ou caracterização de doença laboral a ele equiparada, durante a realização do teletrabalho, não há motivos para que não se emita a competente Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), da exata maneira como ocorreria em caso de trabalho presencial.
Por outro lado, a análise da responsabilidade civil do empregador quanto à ocorrência de acidente de trabalho – ou doença a ele equiparada – no regime de teletrabalho não deve seguir o mesmo raciocínio aplicado ao trabalho presencial.
O artigo 2º da Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.183/2018 sugere que, para se avaliar a relação entre os transtornos de saúde e as atividades do empregado, dentre outros fatores, deve-se considerar o estudo do local de trabalho (inciso I).
Contudo, no caso do homeoffice, o ambiente de trabalho do empregado será em locais privativos do trabalhador, na esmagadora maioria em sua residência, asilo inviolável do cidadão, proteção prevista constitucionalmente no inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal.
Ora, é inviável que se imponha ao empregador a fiscalização ostensiva do ambiente de trabalho do empregado, que se confundirá com o local de asilo inviolável do obreiro, qual seja sua residência.
Em razão disso, o artigo 75-E da CLT impôs ao empregador a obrigação somente de que este “deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”, em observância às regras previstas no Capítulo V da CLT (DA SEGURANÇA E DA MEDICINA DO TRABALHO).
Pois bem.
Se antes, em razão de sua obrigação legal de fiscalização ostensiva do ambiente de trabalho, incumbia ao empregador o ônus de se desvencilhar da culpa por eventual infortúnio oriundo do trabalho, fosse acidente ou doença a este equiparada, visando demonstrar que não agira com culpa na ocorrência do evento danoso, no regime de teletrabalho o ônus acaba por se inverter, ao passo que, instruído o empregado quanto às precauções visando evitar doenças e acidentes de trabalho, ao trabalhador caberá comprovar negligência ou imprudência do empregador, sobretudo porque o local do acidente de trabalho será o mesmo em que o empregado realiza todas as demais atividades que não guardam relação alguma com o trabalho, local esse vedado à fiscalização ostensiva do empregador, vale repetir.
Em razão disso, o empregado deverá demonstrar cabalmente que o empregador contribuiu, de forma omissiva ou comissiva, para a ocorrência do acidente ou desencadeamento de doença que guardem relação com o trabalho.
Sendo assim, para fins exclusivos de nexo causal ou concausal do acidente de trabalho – ou doença a ele equiparada – não se distingue o teletrabalho do labor presencial. Caracterizado o acidente de trabalho que guarde relação tanto com as atribuições inerentes ao cargo ocupado pelo empregado como com a atividade empresarial do empregador, deverá ser emitida a CAT.
Tal raciocínio não poderá ser aplicado no tocante à responsabilidade civil do empregador pelo infortúnio em questão, uma vez que incumbirá ao empregado o ônus de que seu empregador agiu com culpa na ocorrência do acidente, contrário ao que ocorre na modalidade de trabalho presencial.
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