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Arbitragem e a Cédula de Produto Rural

Por Bernardo Vianna Waihrich, advogado em Araúz & Advogados.



Na presente reflexão nos propomos a analisar, à luz de precedente do Superior Tribunal de Justiça – STJ, a possibilidade da utilização da arbitragem para resolução de conflitos decorrentes de negócios jurídicos instrumentalizados por Cédula de Produto Rural – CPR, visando, sobretudo, contornar a morosidade judiciária, bem como a falta de especialidade técnica do quadro jurisdicional para as questões que envolvem o agronegócio.


O Superior Tribunal de Justiça, em julgado datado de 21 de junho de 2016, no Recurso Especial nº 1.465.535, da relatoria do eminente Ministro Luis Felipe Salomão, enfrentou a questão da convenção de arbitragem em título executivo extrajudicial e suas implicações no processo de execução e nos embargos do devedor.


O aresto em exame consolida o que parecer ser um eficiente mecanismo de resolução de conflitos atinentes à controvérsias materiais em instrumentos de financiamento como a CPR, porquanto firma entendimento cristalino no sentido de admitir a inclusão de cláusula compromissória de arbitragem em títulos executivos extrajudiciais, sendo que uma vez convencionada a arbitragem, impõe-se que as discussões judiciais relacionadas à relação obrigacional inter partes sejam obrigatoriamente submetidas ao juízo arbitral.


Partindo-se da premissa de que a concessão de crédito privado para financiamento da atividade rural tem sido amplamente operacionalizada por meio da emissão de Cédula de Produto Rural, aqui se pretende demonstrar a possibilidade e viabilidade de convencionar a arbitragem no referido título de crédito a fim de solucionar com brevidade eventuais questões materiais controvertidas entre as partes financiadora e financiada.


Desta feita, passa-se a analisar fragmentadamente os ditames assentados no acórdão em exame. Observe-se o conteúdo decisório extraído da parte inicial do julgado em tela.


“1. A cláusula arbitral, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e caráter obrigatório, definindo ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais disponíveis, derrogando-se a jurisdição estatal.”


Considerando que a principal via de oposição da parte financiada quando da execução judicial diz com os Embargos à Execução, previstos no Código de Processo Civil, Título III, Artigos 914 a 920, a previsão de arbitragem levará as principais matérias antes submissas à via dos embargos à execução, à apreciação do juízo arbitral, o que, acredita-se, irá trazer ganhos mútuos do ponto de vista de celeridade e qualidade da prestação resolutiva do conflito.


Registre-se que a previsão de arbitragem não retira da esfera judicial a prerrogativa exclusiva da execução forçada da dívida. É o que leciona o julgado em estudo. Senão, veja-se:


“2. No processo de execução, a convenção arbitral não exclui a apreciação do magistrado togado, haja vista que os árbitros não são investidos do poder de império estatal à prática de atos executivos, não tendo poder coercitivo direto.”


A ação de execução não poderá, portanto, ser extinta com fundamento na previsão de cláusula compromissória, esta que produz efeitos para resolver outras questões de natureza cognitiva, possibilitando, dessa forma, a convivência harmoniosa das duas competências: judicial e arbitral.


Sendo assim, a via de recuperação do crédito em nada sofrerá alteração com a inclusão da cláusula compromissória, permanecendo o judiciário como órgão competente para processar e julgar a execução fundada em título executivo extrajudicial.


Nesse sentido, inclusive, a ministra Nancy Andrighi, integrante da 3ª Turma do STJ, ao analisar o Recurso Especial nº 1.277.725/AM decidiu que:


“[...] a existência de cláusula compromissória, de um lado, não afeta a executividade do título de crédito inadimplido". Aliás, ao contrário, "admite-se a convivência harmônica das duas jurisdições – arbitral e estatal –, desde que respeitadas as competências correspondentes, que ostentam natureza absoluta.”


Sobre a matéria, também já se manifestou a 31ª câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo na ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0047019.51.2013.8.26.0000, em 2 de abril de 2013, assentando o seguinte:


"[...] a existência de cláusula compromissória é prevista para a finalidade de solucionar conflitos que ensejem atividade cognitiva, com expressa ressalva a respeito da possibilidade de utilização da via jurisdicional para a atividade executória".


Dessa forma, resta claro que o credor, portador de um título executivo, pode e deve ingressar com sua demanda executiva perante a Justiça Estadual, ainda que exista previsão expressa de cláusula arbitral no contrato celebrado entre as partes, tendo em vista tratar-se o Poder Judiciário e o juízo arbitral de jurisdições distintas e de competências distintas.


Indiscutivelmente, a arbitragem põe fim à controvérsia muito mais rápido do que a via judicial. Isso porque, como é cediço, a decisão é única, não havendo possibilidade de recurso, inclusive, podendo se estabelecer um prazo para prolação da sentença.


Conforme firmado pelo STJ, ainda que presentes os embargos à execução ou qualquer outra ação visando discutir o negócio jurídico celebrado, haverá limitação material do objeto destas medidas. Nos embargos submetidos ao judiciário somente poderão ser alegadas questões de ordem pública, de modo que não poderá o juízo estatal decidir sobre questões atinentes ao título ou obrigações nele contidas.


Nesse sentido prescreveu a Corte:


“3. Na execução lastreada em contrato com cláusula arbitral, haverá limitação material do seu objeto de apreciação pelo magistrado. O Juízo estatal não terá competência para resolver as controvérsias que digam respeito ao mérito dos embargos, às questões atinentes ao título ou às obrigações ali consignadas (existência, constituição ou extinção do crédito) e às matérias que foram eleitas para serem solucionadas pela instância arbitral (kompetenz e kompetenz), que deverão ser dirimidas pela via arbitral.”


Alegações que dizem respeito à existência, validade e eficácia do negócio, bem como aos atos processuais decorrentes da execução podem ser alegadas em sede de embargos, todavia, matéria de mérito que demanda tutela cognitiva não pode ser apreciada pelo juízo estatal quando convencionada a arbitragem.


De igual forma, não poderá ser objeto de ação revisional as questões cognitivas, devendo-se propô-las no juízo arbitral.


“4. A exceção de convenção de arbitragem levará a que o juízo estatal, ao apreciar os embargos do devedor, limite-se ao exame de questões formais do título ou atinentes aos atos executivos (v.g., irregularidade da penhora, da avaliação, da alienação), ou ainda as relacionadas a direitos patrimoniais indisponíveis, devendo, no que sobejar, extinguir a ação sem resolução do mérito.”


Acerca dos embargos à execução, o Novel Código de Processo Civil trouxe rol descritivo do que pode ser alegado em seu bojo. Confira-se do texto legal:


Art. 917. Nos embargos à execução, o executado poderá alegar:

I - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

II - penhora incorreta ou avaliação errônea;

III - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;

IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de execução para entrega de coisa certa;

V - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;

VI - qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.


Referido dispositivo, pois, delimitou materialmente a ação de embargos à execução, o que, ao nosso sentir, facilitará a apreciação do magistrado nos casos em que houver convenção de arbitragem no título objeto da execução embargada.


Isso porque, analisando os incisos do artigo 917 em cotejo com o postulado do STJ em comento, percebe-se que o legislador se preocupou em prever nos incisos I ao V justamente as questões de ordem pública que, quando alegadas em sede de embargos, poderão/deverão ser analisadas pelo juízo togado, matérias estas que o STJ consignou como “[...] questões formais do título ou atinentes aos atos executivos (v.g., irregularidade da penhora, da avaliação, da alienação), ou ainda as relacionadas a direitos patrimoniais indisponíveis [...]”.


O inciso VI, por sua vez, tratou de garantir ao devedor o direito de discutir qualquer matéria extravagante. Contudo, na hipótese, uma vez prevista a cláusula arbitral no título exequendo, toda a matéria que se enquadre neste inciso VI, perceptível por simples eliminação das circunstâncias elencadas nos incisos anteriores, deverá ser discutida no juízo arbitral, afastando a competência do juízo da execução.


Significa dizer, portanto, que o magistrado ao receber os embargos à execução deve limitar-se a conhecer somente das matérias expressamente descritas no art. 917, declarando-se incompetente para apreciação daquilo que for estranho às hipóteses previstas nos incisos I a V.


A jurisprudência interpretativa do artigo 917 supracitado nesse sentido assenta:


APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. REJEIÇÃO LIMINAR. DESCABIMENTO. Afigura-se descabida a rejeição liminar dos embargos à execução, no caso concreto, em que a petição inicial da insurgência da executada insere-se no âmbito das hipóteses dos incisos III e VI do rol taxativo do art. 917 do Novo Código de Processo Civil, a impor a desconstituição da sentença recorrida. Apelação cível provida. (Apelação Cível Nº 70073742736, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 29/06/2017)


Embargos à execução. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. Falsidade de assinatura da emitente. Nulidade do título declarada. PEDIDOS DE RESTITUIÇÃO EM DOBRO e INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Descabimento. Via inadequada. Embargos à execução cujo escopo é a desconstituição do título. Matérias que não se inserem no rol taxativo do artigo 917, do CPC. Sentença mantida. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Majoração. Cabimento. Inadmissibilidade do arbitramento pelo princípio da equidade, como previa o Código revogado. Percentuais estabelecidos pelo artigo 85, § 2º, do NCPC que devem ser adotados. Sentença reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; Apelação 0029307-20.2012.8.26.0344; Relator (a): Fernando Sastre Redondo; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro de Marília - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 22/02/2017; Data de Registro: 24/02/2017)


Embargos à execução. Cédula de crédito bancário. Alegação de que a falta de informação ocasionou o superendividamento da autora. Livre arbítrio para contratar. Revisão do título. Meio inadequado. Artigo 743, c.c. o artigo 745 do antigo CPC. Os termos do que acordado no título executivo extrajudicial devem ser questionados através de revisão e não de embargos. Sentença mantida, mas, por outro fundamento. Recurso a que se nega provimento. (TJSP; Apelação 1033224-18.2014.8.26.0002; Relator (a): Mauro Conti Machado; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/12/2017; Data de Registro: 14/12/2017)


E do corpo do acórdão supra se extrai o seguinte:


“Na realidade, pretende a embargante rediscutir o título executivo, pois, não concorda com os juros aplicados no contrato de empréstimo, no entanto, o antigo artigo 743, atual artigo 917, não permite discutir os termos do documento, em sede de embargos.”


Por seu turno, dispõe a lei da Arbitragem (9.307/96) que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Veja-se o disposto no artigo inaugural da referida lei:


“Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”


A lei 8.929/94 instituiu a CPR como título executivo extrajudicial, de modo que as disposições definidas pelo julgado do STJ lhe alcançam enquanto contrato passível de ser convencionada a arbitragem. Observe-se o texto da norma citada:


“Art. 4º A CPR é título líquido e certo, exigível pela quantidade e qualidade de produto nela previsto.”


Em outro ponto, a lei de regência admite que a CPR contenha, além das cláusulas obrigatórias, outras disposições a critério dos interessados.


Art. 3º A CPR conterá os seguintes requisitos, lançados em seu contexto:

[...]

§ 1º Sem caráter de requisito essencial, a CPR poderá conter outras cláusulas lançadas em seu contexto, as quais poderão constar de documento à parte, com a assinatura do emitente, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância.


De volta à “lei da arbitragem”, aludida norma determina que nos negócios jurídicos contratuais, as partes deverão convencionar a arbitragem mediante inserção de cláusula compromissória, esta que expressará o comprometimento de, em caso de litígio relativamente ao contrato, valer-se do juízo arbitral para dirimir a controvérsia (Art. 3º da Lei 9.307/96).


Pois bem.Em sendo a CPR um legítimo título executivo extrajudicial e que comporta inserção de outras cláusulas em seu contexto, do cotejo analítico entre a “Lei da CPR” e a “Lei da Arbitragem”, iluminadas pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, constata-se perfeitamente possível a inserção da cláusula compromissória na Cédula de Produto Rural.


Dessa forma, por derradeiro se conclui pela conveniência e utilidade dessa medida jurídica em benefício do setor econômico que é responsável por mais de 20% do PIB do Brasil, absorve 1 de cada 3 trabalhadores brasileiros e é responsável por mais de 40% das nossas exportações.

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