Por Thiago Gardai Collodel e Aline Bueno Antunes, respectivamente sócio e advogada da Área Trabalhista em Araúz & Advogados
A edição da portaria 10.486/2020 que dispõe sobre normas relativas ao processamento e pagamento do Benefício Emergencial, publicada em 24/04/2020, trouxe dúvidas quando a aplicação prática da medida provisória 936, publicada 24 dias antes, ao vetar, em seu artigo 4º, §2º o acordo com o empregado já aposentado ou que recebe benefício de prestação continuada de redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho, vez que estes não podem receber o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), a ser pago pelo Governo aos trabalhadores que se enquadrarem em seus requisitos.
Art. 4º O BEm não será devido ao empregado com redução proporcional de jornada e de salário ou suspensão do contrato de trabalho que: [...]
§ 2º É vedada a celebração de acordo individual para redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou para suspensão temporária do contrato de trabalho com empregado que se enquadre em alguma das vedações à percepção do BEm previstas neste artigo.
A medida provisória 936, editada em sequência da medida 927/2020, faz parte do plano de enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, cujo, entre os objetivos, está o de preservar o emprego e a renda dos trabalhadores, além de reduzir o impacto social já sentidos nesse momento de crise.
Em seus artigos 7º e 8º, a MP 936/2020, dispõe sobre a possibilidade do empregador, via acordo, reduzir a jornada de trabalho (art. 7º, caput) ou suspender o contrato de trabalho (artigo 8º) de seus empregados, observando os requisitos elencados na medida.
Como empregados, tratam-se aqueles que possuem carteira assinada que trabalham na iniciativa privada (inserindo-se, inclusive aqueles já aposentados, mas que continuam ativos no mercado de trabalho), empregados domésticos, trabalhadores com contrato intermitente, contratos de aprendizagem e jornada parcial.
Não se vislumbra em qualquer artigo da medida provisória a proibição de redução da jornada ou suspensão dos contratos dos trabalhadores que já são aposentados ou recebem o benefício de prestação continuada. MP 936/2020:
Art. 6º O valor do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, nos termos do art. 5º da Lei nº 7.998, de 1990, observadas as seguintes disposições:
§ 2º O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda não será devido ao empregado que esteja:
I - Ocupando cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou titular de mandato eletivo; ou
II - Em gozo:
a) de benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 124 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991;
De fato, a situação abordada pela medida é o não recebimento do benefício emergencial a esses trabalhadores, não obstando, contudo, que o empregador adote as outras medidas de preservação do emprego.
Segundo o secretário especial da Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, se o empregado já é aposentado, o empregador pode fazer a redução, contudo, não haverá a complementação, vez que o Governo já está pagando a aposentadoria, e portanto, no entendimento do secretário, já está pagando o benefício ao qual tal empregado faria jus. De todo modo, afirmou o secretário que é possível reduzir as jornadas ou suspender os contratos, gozando o empregado em questão, inclusive da estabilidade de que trata a medida provisória, só não será pago a complementação.
Um exemplo do cotidiano empresarial que pode ser utilizado para melhor elucidação, é do empregado aposentado que fica doente e recebe um atestado de 60 dias. Os 15 primeiros dias, serão pagos pela empresa, conforme normas legais, contudo, os 45 dias restantes não serão pagos pelo INSS, como seria aos trabalhadores não aposentados, uma vez que a legislação brasileira veda a cumulação de benefícios.
De todo modo, o trabalhador doente deve ser afastado de acordo com o atestado médico para que possa se curar.
Da mesma forma, analogicamente, os trabalhadores aposentados podem ter seus contratos suspensos ou sua jornada reduzida, ainda que não recebam o benefício emergencial pelo governo, pela proibição da cumulação de benefícios.
Ao proibir que os acordos sejam realizados com empregados aposentados, a portaria 10.486/2020 – ato administrativo, infralegal - está legislando, causando insegurança jurídica, principalmente ao considerar-se o tempo de sua publicação – cerca de 24 dias após a edição da Medida Provisória 936/2020 – quando muitos acordos já foram realizados com esses empregados.
Dessa forma, considerando que as medidas provisórias possuem força de lei e, que nas que foram publicadas até o momento em enfrentamento aos impactos do Covid19 não há proibição de acordo com os funcionários aposentados ou que recebem o benefício de prestação continuada, conclui-se que, sendo interesse do empregador, podem ser firmados acordos com esses empregados.
Assim, o empregador pode reduzir a jornada ou suspender o contrato do trabalhador aposentado, todavia, este não vai receber o valor do benefício emergencial pelo governo.
Destaca-se que as medidas provisórias editadas são, em primazia, para a preservação do emprego e, a proibição da aplicação de suas benesses aos empregados aposentados, por exemplo, teria um efeito reverso ao esperado pelo governo.
Sobre a proibição de acordos para suspensão do contrato ou redução da jornada para contratos de trabalho celebrados após a publicação da MP 936/2020
A portaria 10.486/2020 também instaura insegurança jurídica ao proibir, no artigo 4º, inciso II, que os acordos de que tratam as medidas provisórias 927 e 936 sejam realizados com os empregados que celebraram seus contratos de trabalho após a edição da MP 936/2020, no início de abril de 2020.
Destaca-se, novamente, que as medidas provisórias foram editadas com o cunho de preservar o emprego dos trabalhadores brasileiros, face a crise enfrentada diante no novo coronavírus e tal disposição da portaria vai de encontro com tal propósito.
Importante ressaltar que a portaria 10.486/2020 está legislando, visto que as medidas provisórias que detém, de fato força de lei, não proíbem a sua aplicação aos novos contratos. Veja-se que, diante das diversas medidas sanitárias obrigatórias em todo país, diversos seguimentos tiveram significativo aumento em sua demanda, levando os empregadores a contratar novos funcionários, como, a título exemplificativo, empresas que produzem álcool em gel, equipamento de proteção hospitalar ou casos menos óbvios, como copiadoras e digitalizadoras que tiveram aumento em sua demanda, face a necessidades das empresas em mandar material para os trabalhadores em teletrabalho ou no regime de Home Office.
Contratar novos funcionários para suprir tal demanda, mas, da mesma forma, precisar se utilizar das medidas que foram autorizadas para o enfrentamento da crise atual é direito do empregador e do empregado, podendo ser considerado também como uma medida de enfrentamento e de manutenção do emprego.
A medida provisória 927/2020, publicada em 22 de março de 2020, em seu artigo 3º dispõe:
Art. 3º Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:
I - O teletrabalho;
II - A antecipação de férias individuais;
III - a concessão de férias coletivas;
IV - o aproveitamento e a antecipação de feriados;
V - O banco de horas;
VI - A suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;
VII - o direcionamento do trabalhador para qualificação; e
VIII - o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.
Percebe-se que o artigo 3º, ao mencionar “dentre outras” deixa aberto ao empregador a adoção de medidas diversas das exemplificadas nos incisos I a VIII, sendo tal rol tratado por uma corrente de juristas brasileiros como apenas exemplificativo e não taxativo.
É facultado ao empregador, portanto, a adoção de medidas diversas para enfrentamento dos impactos causados pela pandemia. Dessa forma, obstar tais direitos, é uma forma de discriminar o novo funcionário, o que é expressamente vedado pela nossa constituição federal, bem como contrariar as disposições das Medidas Provisórias editadas.
Comentarios