Por Marielly Condolo, Advogada da Área de Responsabilidade Civil em Araúz & Advogados

A pandemia mundial ocasionada pelo novo coronavírus foi desencadeada no Brasil em fevereiro/2020.
Em decorrência do surto, diversos foram os setores afetados, sendo certo que a necessidade consubstanciada no isolamento social resultou em gigantesco desaceleramento da economia, culminando na paralização de atividades empresariais e, consequentemente, desemprego.
O setor terciário, representado pelo comércio e serviços, foi um dos mais atingidos pela crise econômica rebentada com o advento da pandemia, enquadrando-se, neste contexto, o serviço de transporte aéreo privado.
Isso porque, ante as recomendações da Organização Mundial da Saúde e demais diretrizes governamentais, os usuários dos serviços prestados pelas companhias aéreas brasileiras, em sua maioria, passaram a cancelar/remarcar suas passagens.
Frise-se que as próprias companhias aéreas, visando salvaguardar a vida e o bem-estar de seus colaboradores, precisaram reduzir significativamente suas frotas.
Diante da tal cenário, a Agência Nacional de Aviação Civil e o Governo Federal passaram a adotar medidas emergenciais para a aviação civil brasileira, a fim de que o serviço de transporte aéreo privado não corresse o risco de ser descontinuado.
Sobreveio, então, a Medida Provisória nº 925, de 18/03/2020, que, por fim, foi convertida na Lei nº 14.034/2020, que dispõe, naquilo que aqui se destaca quanto ao consumidor, o seguinte:
(...)
Art. 3º O reembolso do valor da passagem aérea devido ao consumidor por cancelamento de voo no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020 será realizado pelo transportador no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, observadas a atualização monetária calculada com base no INPC e, quando cabível, a prestação de assistência material, nos termos da regulamentação vigente.
§ 1º Em substituição ao reembolso na forma prevista no caput deste artigo, poderá ser concedida ao consumidor a opção de receber crédito de valor maior ou igual ao da passagem aérea, a ser utilizado, em nome próprio ou de terceiro, para a aquisição de produtos ou serviços oferecidos pelo transportador, em até 18 (dezoito) meses, contados de seu recebimento.
(...)
§ 3º O consumidor que desistir de voo com data de início no período entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020 poderá optar por receber reembolso, na forma e no prazo previstos no caput deste artigo, sujeito ao pagamento de eventuais penalidades contratuais, ou por obter crédito de valor correspondente ao da passagem aérea, sem incidência de quaisquer penalidades contratuais, o qual poderá ser utilizado na forma do § 1º deste artigo.
§ 4º O crédito a que se referem os §§ 1º e 3º deste artigo deverá ser concedido no prazo máximo de 7 (sete) dias, contado de sua solicitação pelo passageiro.
(...)
Art. 4º A Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, passa a vigorar com as seguintes alterações:
(...)
Art. 251-A. A indenização por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga.”
(...)
Destaca-se, pois, que os voos cancelados entre 19/03/2020 e 31/12/2020 poderão ser reembolsados em dinheiro e com acréscimo de correção monetária, observado um prazo máximo de 12 (doze) meses, contados a partir da data do voo cancelado. Antes, esse reembolso deveria ser feito em até 30 (trinta dias).
Para o usuário que desistir do voo, a regra é a mesma, devendo ser observadas, entretanto, as penalidades contratualmente previstas.
Poderá ser oferecido, ainda, crédito ao usuário que assim optar, em valor igual ou superior ao da passagem aérea, a ser utilizado, em nome próprio ou de terceiro, em até 18 (dezoito) meses, contados de seu recebimento. Tal opção serve tanto para o caso de cancelamento quanto desistência de voo, devendo o crédito ser disponibilizado em até 07 (sete) dias da data da solicitação.
De fácil percepção, pois, que os prazos foram excepcionalmente elastecidos, ainda que em detrimento dos interesses do consumidor, como é o caso da dilação do prazo de reembolso de 30 (trinta) dias para 12 (doze) meses.
Outra regra que simboliza prejuízo ao consumidor é a de que as companhias aéreas, até 31/12/2020, não responderão objetivamente por eventuais falhas na prestação de seus serviços, sendo imprescindível que o usuário comprove efetivo dano, o que vai de encontro ao disposto no art. 14, do CDC.
Isso significa que as alterações trazidas pela Lei nº 14.034/2020 relativizam preceitos do Código Consumerista.
Entretanto, ainda que as mudanças representem perda a interesses particulares, não se vislumbra a hipótese de serem questionadas, pois de forma principiológica, há de ser observada a supremacia do interesse público sobre o privado, merecendo destaque a basilar dignidade da pessoa humana, representada no contexto pelo almejo na manutenção de inúmeros empregos e no próprio direito à saúde e à vida.
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