Por Paulo Nalin, advogado em Araúz Advogados.
A razão de ser das reflexões deste trabalho são simples: enquanto orientador e examinador de dissertações e teses, há muito tempo nada oriento ou examino sobre dano moral. Parece ser legítima, portanto, a auto indagação sobre o ocaso do dano moral ou especular sobre o seu locus na estrutura das fontes jurídicas nacionais contemporâneas.
Brevemente, percorrer-se-ão os tempos da redemocratização e reconstitucionalização, da aplicação direta da normativa constitucional às relações interprivadas, a autocompreensão de que ele/ela não se limita ao ter, até aportamos no CC 2002. Após, investigar-se-á a expansão do dano moral nas assim denominadas novas hipóteses de danos.
Viemos de um tempo pré-constitucional de 1988, momento o qual o dano moral já desafiava a lógica de um sistema privado fundado em dois diplomas legais unitários, centralizadores e totalizadores da experiência fática, Código Civil 1916 e Código Comercial de 1850.
Nessa toada, Advogados inquietos, desde antes de 1988, passaram a demandar "indenização por danos morais", sobretudo com base na literatura francesa do dommage moral. Juízes discretamente passaram a acolher os pleitos, pois não era mais possível resistir a danos horrendos, como a morte do filho, não tutelado pela lei privada.
Ante a resistência, insensibilidade ou ignorância do legislador infraconstitucional, o constituinte de 1988 recepcionou o dano moral, estabilizando-o na fonte normativa constitucional, como direito fundamental da pessoa humana.
O conceito de dano foi reduzido na sua dicção de ofensa a interesse jurídico patrimonial tutelado para ofensa a interesse jurídico tutelado, estendendo o seu alcance para o ser e todo o seu plexo de imputações existenciais.
Embora esdrúxula a constitucionalização de instituto próprio do direito privado na fonte normativa constitucional, foi esta uma tônica da Constituição de 1988, o que se verificou não somente com o dano moral, como também com o direito de família, direito à herança, entre outros.
Fato é que o dano moral foi a primeira experiência de aplicação direta da Constituição da República às relações interprivadas, sem que existisse, portanto, regra infraconstitucional regulamentadora que mediasse a normativa constitucional e o fato concreto.
A primeira regulamentação infraconstitucional sobre o dano moral, no campo das obrigações privadas, veio com o CDC/1990, art. 6º, seguida da codificação civil CC/2002, no art. 186.
A pessoa humana é passiva de danos não patrimoniais enquanto viva, após a sua morte e mesmo antes de nascer, uma vez que o Código Civil põe a salvo os interesses do nascituro e em harmonia com a normativa constitucional esta tutela não pode ser reduzida ao viés patrimonial do ser.
Como resultado, ampliou-se a tutela da pessoa humana e a litigiosidade social. Verificou-se a explosão de ações indenizatórias por danos morais, uma vez que os valores existenciais do ser são infinitos, pessoais, coletivos e difusos.
A responsabilidade civil foi renovada e ampliada e os tribunais impuseram requisitos limitadores, em nosso pensar, equivocadamente.
Muito embora a despatrimonialização seja um dos vértices do Direito Civil brasileiro, não pode ele atuar como uma simples miragem desértica, incongruente e retórica.
A compensação do dano moral não pode ter como primeira resposta o arbitrário e discricionário "equivalente" pecuniário da dor, devendo ser lançado mão de tal recurso quando não seja possível devolver à pessoa humana a dignidade subtraída pelo ilícito.
Nesse cenário, o dano moral sofisticou-se, não mais se contendo na figura da dignidade da pessoa humana individual, como também da coletiva. Aliás, o dano moral coletivo aproxima-se do dano social, muito embora careça o primeiro de caráter punitivo, enquanto pena civil.
Para onde vamos?
Após o rápido apanhado, é possível constatar que a sua evolução não significa propriamente dita o seu desaparecimento, mas um seu sutil deslocamento na estrutura das fontes jurídicas.
O dano moral cronologicamente transitou de valor social (antes da CR 1988) para norma constitucional, regra consumerista e civil. Ele não é princípio e foi estabilizado na base normativa constitucional e infraconstitucional como regra, passando-se o mesmo nas fontes infraconstitucionais.
Porém, a intensa dinâmica dos fatos e a resposta jurisdicional (estatal ou arbitral) produziu um sutil deslocamento do dano moral enquanto fonte regra para a fonte valor (valor jurídico).
Individualizar o critério da noção de valor é de extrema dificuldade, talvez porque o enquadramento hierárquico das fontes normativas seja decorrente mais da ideologia do que da técnica.
A guisa de conclusão, pode-se anotar que o dano moral não está esquecido ou empoeirado, mas sim diferente, pois este discreto deslocamento na estrutura das fontes normativas torna-o ainda mais aberto e dinâmico para a experiência fática.
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