O julgamento do ato cooperativo no Supremo
- Araúz Advogados
- 26 de mai.
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Atualizado: 28 de mai.
Por Paulo R. Stöberl do setor Cooperativo do Araúz Advogados

Circula pelo país a notícia sobre a data (30.05 a 06.06.2025) do julgamento, pelo STF, em relação a incidência ou não de tributação do PIS/Cofins sobre os atos cooperativos, cuja base de cálculo é a receita bruta das cooperativas.
A par da matéria específica dos casos (Res 672.215 e 597.315), o âmago da discussão são os “limites” do conceito do ato cooperativo e a aplicação do vetor constitucional que determina um adequado tratamento tributário a esse “negócio jurídico, interno, qualificado pelos partícipes (sócio e sociedade) e que está atrelado ao objetivo de existência da cooperativa”.
Essa discussão, em relação ao PIS/Cofins, surgiu em 1998, com a reforma da estrutura destes tributos, que passaram a incidir para as cooperativas, impondo a elas tributos criados exclusivamente para faturamento de pessoas jurídicas, desconsiderando que os produtos comercializados pela sociedade são, na maioria das vezes, de pessoas físicas - os cooperados - e portanto, o faturamento deveria seguir o raciocínio e mecanismo estatal aplicado ao tributo sobre a renda.
Há, contudo, uma preocupação nova, no meu ponto de vista, à tese de nós cooperativistas: a reforma constitucional de 2023, em relação aos “novos” tributos sobre consumo – em especial a CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços, que invariavelmente nos remete à PIS/Cofins.
A Constituição Federal, no artigo 156 – A[1] recepcionou os elementos primordiais do ato cooperativo (cooperado, cooperativa e objetivos sociais) convalidando tanto o texto do caput do artigo 79 da Lei nº 5.764/71, quanto o entendimento da melhor doutrina cooperativista que o conceitua, basicamente, como sendo um ato interno da sociedade, praticado entre a cooperativa e seus sócios, unicamente para a consecução dos objetivos sociais da cooperação[2].
Todavia, esse conceito (alínea “a”, do inciso III, do §6º, do Art. 156-A) está inserido no comando constitucional que esclarece que a Lei Complementar irá dispor sobre “as hipóteses em que o imposto não incidirá sobre” o ato cooperativo.
Dito de outra forma, para a CBS, haverá pois hipóteses de incidência e hipóteses de não incidência para as operações do ato cooperativo, como se notará com a leitura do inciso IX, Art. 6º (não-incidência)[3] e do Art. 271, I (incidência)[4], ambos da LC N° 214/25:

Fig.01 – Ato cooperativo, operações com não-incidência e com incidência.
E esse é precisamente o revés que apontamos, desapontados: a Constituição Federal, para a CBS, entende que o ato cooperativo é tributado[5], pelo menos em algumas de suas operações.
Com isso, o texto do parágrafo único do artigo 79 da lei de 1971 está em xeque, pois se o ato cooperativo não é operação de mercado, como se justifica a sua tributação?
A lei geral das cooperativas no Brasil, parte do princípio de que as operações de mercado são praticadas, antes ou depois do ato cooperativo, justamente para dar-lhe significado. Sendo assim, tememos que com a reforma constitucional de 2023, a receita obtida pela cooperativa em suas operações de mercado, mesmo que essas só existam para concretizar o ato cooperativo, seja considerada indistintamente fato gerador de tributos, com a sujeição passava , uma vez que o ato cooperativo também é aceito como um ato tributado.
O julgamento é em relação ao PIS/Cofins e essa realidade legal de 2023 não será aplicada (irretroatividade), mas será que os Ministros não raciocinarão dessa forma, isto é, entendendo que o ato cooperativo é passível de tributação e portanto o faturamento pode e deve ser tributado pelo PIS/Cofins?
Mas mesmo assim, há também a esperança de que eles percebam que as receitas, mesmo após a reforma de 2023, que são repassadas pela cooperativa aos cooperados, pois a eles pertence, são reconhecidas como atos não incidentes de tributos, pelo texto do inciso XI, do art. 271, da mesma LC Nº 214/2025.
O que também nos acalenta é o fato de que a reforma de 2023 trouxe um outro significado ao vocábulo “adequado” (alínea “c”, do III, do Art. 146), agora atrelado ao Princípio da Neutralidade, aplicável aos tributos sobre consumo, dos quais se pode também entender, salvo engano, que o PIS/Cofins os integre.
Nesse sentido, a tributação deve, segundo o artigo 2º da LC 214 “evitar distorcer as decisões de consumo e de organização da atividade econômica”, permitindo que as cooperativas existam e se desenvolvam, em atendimento do vetor constitucional de que a lei deve apoiar e estimular o cooperativismo (Art.174, §2º da CF).
Adequado portanto, é, além de (i) respeitar a natureza da tributação (regra matriz) que considera os limites conceituais da sujeição passiva e de seus fatos imponíveis, (ii) evitar que um tributo aja como mecanismo de distorção de mercado.
Vamos portanto, aguardar o julgamento do Supremo e torcer para que sua decisão seja um passo em direção ao apoio à continuidade das cooperativas e dos mais de 23 milhões cooperados brasileiros.
[1] Em relação à CBS, o §16, do artigo 195, da CF determina que se aplica à essa contribuição o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI e IX, e §§ 6º a 11 e 13. (Grifo meu).
[2] O vocábulo “cooperação” é empregado no sentido da relação jurídica societária delimitada pelo artigo 3º da Lei nº 5.764/71.
[3] Art. 6º O IBS e a CBS não incidem sobre: XI - o repasse da cooperativa para os seus associados dos valores decorrentes das operações previstas no caput do art. 271 desta Lei Complementar ...
[4] Art. 271. As sociedades cooperativas poderão optar por regime específico do IBS e da CBS no qual ficam reduzidas a zero as alíquotas do IBS e da CBS incidentes na operação em que:
I - o associado fornece bem ou serviço à cooperativa de que participa; e
II - a cooperativa fornece bem ou serviço a associado sujeito ao regime regular do IBS e da CBS.
[5] Tecnicamente a alíquota zero, embora o resultado prático se assemelhe a uma não “tributação” não se configura como não-incidência. Pela teoria da regra matriz de incidência tributária, do professor Paulo de Barros Carvalho, há preenchimento de todos os critérios, sendo apenas que no critério quantitativo há uma alíquota zero que aplicada, não gera valores que o sujeito passivo deve pagar ao sujeito ativo.
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