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Arauz & Advogados

O Contrassenso da Tributação das Doações de Empresas Para o Enfrentamento da COVID-19

Por Rodrigo Borba, Advogado em Araúz & Advogados Associados




Atualmente, muito se questiona acerca da possibilidade de dedução fiscal dos valores doados pelas pessoas jurídicas para o enfrentamento à pandemia do COVID-19. Entendem os contribuintes, acertadamente, que os valores doados em espécie, bens ou serviços devem ser excluídos da base de cálculo dos tributos independentemente de quem seja o destinatário, ante a sua inequívoca função social e humanitária neste momento de grande resignação mundial em face da crise sanitária causada pela doença.


O Governo Federal já concedeu benefícios tributários de redução à alíquota 0% (zero) ou isenção de IPI, Imposto de Importação, PIS e COFINS-Importação (Decreto nº 10.503/2020), incidentes sobre a fabricação e/ou importação de produtos, bens e mercadorias destinados ao combate à pandemia, tais como álcool gel, desinfetantes, indumentárias, materiais de proteção, equipamentos de suporte à vida, etc.


No Congresso Nacional, tramita o Projeto de Lei nº 1.705/2020, que permite às empresas deduzir da base de cálculo do IRPJ o valor das doações destinadas exclusivamente a ações de enfrentamento aos efeitos da pandemia do novo coronavírus (COVID-19).


Contudo, o Governo Federal não pode conceder benefícios fiscais sobre tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, por expressa vedação contida no art. 151, inc. III, da Constituição Federal.


Pois bem. Segundo dados obtidos em consulta à plataforma Monitor de Doações, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos - ABCR, quase 705.000 doadores já aportaram mais de 7 bilhões de reais em ações de enfrentamento à COVID-19, sendo 58% em dinheiro, 32% em produtos, 8% em serviços e 1% em estrutura e isenção de tarifas.


A plataforma aponta, ainda, que mais de 85% destas doações foram realizadas por empresas (Fonte: https://www.monitordasdoacoes.org.br/pt. Acesso em: 24/06/2021).


Estas doações, porém, constituem fatos geradores do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações - ITCMD (ou ITCD em alguns Estados).


Ocorre que, por se tratar de uma forma passiva de acréscimo patrimonial (ou seja, que não representa contraprestação por serviços prestados ou por mercadorias vendidas, mas sim pelo recebimento de herança ou de doação não onerosa e incondicional), o ITCMD é o mais gravoso dos tributos Estaduais, por ser definitivo e com carga que pode chegar a 8% do valor ou bem recebido pelo herdeiro ou donatário.


Também por este motivo, as leis estaduais são bastante restritivas quanto às hipóteses de isenção do ITCMD, o que vem a ser um enorme empecilho às empresas donatárias, que se veem obrigadas ao pagamento do tributo num momento de enorme resignação social e em meio à crise sanitária mundial.


Normalmente, os Estados, como o Paraná, preveem isenção somente às doações em favor de vítimas de calamidade pública ou emergência declaradas pela autoridade competente; mas desde que efetuadas a entidades governamentais, templos de qualquer natureza, entidades reconhecidas de utilidade pública que atendam aos requisitos do art. 14, do Código Tributário Nacional; e doações de alimentos, produtos de higiene e de limpeza, medicamentos, vestuário, material escolar e material de construção para fins beneficentes a entidade legalmente constituídas.


Outros Estados, entretanto, já adotaram medidas tributárias mais efetivas como estímulo às doações.


Ceará: Isentou de ITCMD as doações de bens, direitos ou valores efetuados por pessoas físicas ou jurídicas para o enfrentamento à pandemia do COVID-19, desde que destinados ao Estado do Ceará (Lei CE nº 17.193/2020)


Mato Grosso: Projeto de lei nº 436/2020 - Deputado Elizeu Nascimento, que prevê a criação do Programa Estadual de Incentivo às Doações para a Saúde como Política de Enfrentamento e Redução dos impactos provocados pela pandemia do novo Coronavírus, que, não obstante permita a concessão de benefícios fiscais, ainda se encontra em tramitação. Doações de até aproximadamente R$ 64.000,00 já são isentas de ITCD no Estado.


Minas Gerais: Isentou de ITCD as doações de bens, direitos e valores doados a hospitais privados e instituições mantenedoras ou patrocinadoras de hospitais de campanha (Lei MG nº 23.637/2020).


Rio de Janeiro: Isentou de ITCMD as doações de bens, direitos, valores, materiais, equipamentos e vacinas efetuados por pessoas físicas ou jurídicas para o enfrentamento à pandemia do COVID-19, desde que destinados ao Fundo Estadual de Saúde ou à Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação do Estado do Rio de Janeiro (Leis RJ nºs 8.804/2020 e 9.260/2021). Doações de até 11.250 UFIR/RJ (aproximadamente R$ 40.000,00) não são tributadas pelo imposto.


São Paulo: Na contramão de todas as medidas de desoneração das doações destinadas ao enfrentamento à pandemia, o Estado de São Paulo pretendeu tornar progressiva, até 8%, a alíquota do ITCMD incidente sobre as doações, conforme Projeto de Lei apresentado pelos Deputados Paulo Fiorilo e José Américo, ambos filiados ao Partido dos Trabalhadores. O Projeto, que já sofreu moções de várias entidades representativas da sociedade civil, ainda pende de votação. As doações de até aproximadamente R$ 69.000,00 são isentas do ITCMD.


Na seara judicial, a discussão acerca da isenção do ITCMD sobre as doações destinadas ao enfrentamento à COVID-19 ainda não ganhou corpo, já que o campo de incidência do tributo é amplo e alcança quaisquer doações.


No fim do ano de 2020, o TJSP decidiu que uma associação sem fins lucrativos gozava da imunidade constitucional prevista no art. 150, inc. V, alínea “c”, da Constituição Federal, o que, no entendimento do STF alcança inclusive o ITCMD. Naquele caso, o Tribunal considerou que a entidade comprovou ter caráter assistencial, o que foi corroborado por certificações exaradas pelas três esferas de governo (Autos nº 1017451-61.2020.8.26.0053)


Como se vê, embora alguns Estados tenham caminhado em direção à desoneração das doações, o fizeram de forma bastante tímida quando comparados à necessidade de captação de recursos para fazer frente aos efeitos nefastos da pandemia para a economia brasileira, sendo necessário que os Estados abandonem, ao menos temporariamente, a sanha arrecadatória como forma de estimular as doações pela iniciativa privada para a promoção de assistência social e humanitária à população mais carente.


Nesse sentido, se mostra ainda mais urgente a aprovação e sanção do Projeto de Lei nº 1.705/2020, que poderá impulsionar ainda mais as doações por empresas diante da possiblidade de dedução destes valores da base de cálculo do IRPJ; o que, sob o ângulo da justiça fiscal, se mostra absolutamente coerente na medida em que, neste caso, as empresas da iniciativa privada estarão assumindo um encargo social que a princípio caberia ao próprio Estado.


Com efeito, se mostra absolutamente contraditória a tributação destas doações no momento histórico atual, onde milhares de pessoas foram afetadas pela degradação da economia alavancada pela necessidade de medidas restritivas de isolamento social, o que levou ao fechamento de inúmeros estabelecimentos de pequeno e médio portes e, de consequência o agravamento do desemprego e da desigualdade na distribuição de renda que afeta, principalmente, a parcela menos abastada da população.

Se a empresa deve cumprir a sua função social através do impacto positivo de suas atividades para a comunidade em que inserida e para o país, há que se equilibrar esta missão com o primado da justiça fiscal, sob pena de anulação mútua dos mandamentos constitucionais.


Imprimir justiça fiscal em favor das empresas, desonerando as doações por elas efetuadas para enfrentamento ou mitigação dos efeitos da pandemia da COVID-19 é um dever do Estado, já que lhes impõe uma função social.


Assim, espera-se que o Congresso Nacional aprove, com a urgência que o caso requer, o Projeto de Lei nº 1.705/2020 e que os Estados, adotando igual iniciativa, desonerem as doações de ITCMD.


De todo modo, aconselha-se às pessoas físicas e jurídicas guardem todos os recibos de doações e mecenatos a fim de possibilitar a dedução destes valores de suas declarações do Imposto de Renda e fazer prova do direito a isenções tributárias que eventualmente venham a ser aprovadas pelas Casas Legislativas.


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