Por Marcella Granemann Ferreira, Advogada em Araúz & Advogados Associados
O procedimento arbitral como forma de resolução de conflitos na esfera comercial se mostra vantajoso ao setor agrário nacional e internacional em razão de suas características intrínsecas, dentre elas a celeridade, a expertise dos árbitros, a tecnicidade da sentença e o sigilo. Contudo, seus elevados custos ainda fazem com que o Poder Judiciário pareça a alternativa mais viável para dirimir litígios, especialmente aqueles envolvendo contratos com valores elevados.
Nesse sentido, além de contar com elevadas somas em discussão, o agronegócio, setor que configura um dos alicerces da economia brasileira, apresenta conflitos cada vez mais complexos e dinâmicos, e que dependem de conhecimento dos usos e costumes aplicáveis, situação que faz com que a questão do custo careça de uma análise mais aprofundada.
RELAÇÃO ENTRE AS CARACTERÍSTICAS DA ARBITRAGEM E O CUSTO DO LITÍGIO PARA O SETOR AGRÁGIO
A avaliação do custo, portanto, não pode ser feita de maneira simplista, e deve englobar tanto as particularidades da arbitragem, que também acabam impactando diretamente o custo de transação do procedimento, como as particularidades dos próprios conflitos naturais ao agronegócio.
A fim de comparar os procedimentos (judicial e arbitral) de maneira mais assertiva, estipula-se uma demanda que debate um contrato no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
O custo perante a CAMARB (Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil) será de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) com a escolha de árbitro único.[1] A mesma demanda custaria R$ 8.800,00 (oito mil e oitocentos reais) na ARBITAC (Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial do Paraná)[2], e R$ 8.000,00 (oito mil reais) na CAMFIEP (Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Paraná).[3]
Já no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, para a resolução da mesma ação seria despendido o valor inicial de R$ 1.463,47 (mil quatrocentos e sessenta e três reais e quarenta e sete centavos), com as despesas de citação incluídas[4], enquanto no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo essas mesmas despesas seriam de aproximadamente R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais).
Ainda que não tenham sido computados eventuais valores recursais, é inegável que de demandar no judiciário parece, à primeira vista, mais barato que uma arbitragem.
Porém, ao ponderar as características de ambas as formas de resolução de conflitos, é possível enxergar que nem sempre solução mais barata corresponde à solução mais viável.
Imaginando que a demanda hipotética em análise teve início em 2018, caso optassem as partes por instaurar um procedimento arbitral, o valor total do contrato estaria disponível para a parte vencedora já em 2020 (média de duração de dos anos), possibilitando que usufruísse livremente do valor, inclusive para garantir a sobrevivência do seu negócio durante a pandemia da COVID-19.
Em contrapartida, caso as partes tivessem levado a demanda ao judiciário, só veriam a resolução do conflito em 2026 (média de duração de oito anos), quando o devedor teria que arcar com os encargos moratórios de todo o período de tramitação, enquanto o vencedor poderia não ter as mesmas oportunidades de negócio que tinha em 2020, visto a fluição do mercado e do cenário econômico.
Um exemplo prático que demonstra bem a realidade que se apresenta aqui é o caso judicial explorado no texto Por que arbitragem no agronegócio? (TIM; NUNES, 2018), no qual o Tribunal de Justiça de Goiás entendeu pela necessária revisão de contratos de compra antecipada de produção agrícola, com base na onerosidade excessiva e no princípio da função social do contrato.[5]
A decisão foi revertida pelo Superior Tribunal de Justiça em Recurso Especial (Resp. 775.124 – GO), o que garantiu a segurança jurídica do vendedor, visto as particularidades do contrato em questão.[6]
Por mais que o caso sido, ao fim, decidido dentro do escopo contratual, fato é que a demanda perdurou por mais de 10 (dez) anos. Ademais, a decisão de segundo grau foi proferida em 2004, enquanto as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial e Agravo Regimental em Recurso Especial ocorrido em 2009 e 2010, respectivamente.
Logo, foi gerado um cenário de insegurança jurídica que perdurou por mais de cinco anos.
Desse modo, quando a decisão equivocada foi revertida, os seus efeitos já haviam sido sentidos por ambas as partes e por terceiros alheios à lide, como outros produtores rurais da região, prejudicados pela insegurança causada ao setor, visto que a operação de compra e venda antecipada de produtos é fundamental para garantir o financiamento do plantio pelo capital privado.
Nessa conjuntura, percebe-se que, caso as partes tivessem optado pela resolução do conflito por meio da arbitragem, ambas teriam sido beneficiadas, conjuntamente ao comércio local de grãos, seja pela celeridade do procedimento ou pela qualidade das decisões, que refletiriam a realidade do contrato.
Além disso, considerando o sistema através do qual o agronegócio opera, a incerteza e a demora acabam prejudicando todo o setor, especialmente os agricultores, que não raras vezes dependem do valor de cada safra e de cada colheita para garantir a próxima.
A situação noticiada, somada ao fato de que o Poder Judiciário conta com poucas varas especializadas e poucos juízes, e ao mesmo tempo com excesso de burocracia e de morosidade, torna a opção muito desfavorável para os comerciantes do mundo agrário.
Em contrapartida, através do procedimento arbitral é possível a seleção de um julgador com o conhecimento, a habilidade e a expertise desejados, resultando em prolação de sentenças mais corretas, justas e executáveis, refletindo a realidade negocial de forma muito mais precisa.
As partes litigantes também contam com maior segurança dentro da arbitragem, em razão do sigilo, o que impede o conhecimento dos termos do conflito por terceiros.
A flexibilidade também deve ser considerada para esta análise, pois permite que o trâmite não fique estagnado em decorrência do respeito às normas infraconstitucionais, como prazos pré-fixados e formalidades para intimações de atos praticados e/ou agendados, por exemplo.
A possibilidade de flexibilizar o procedimento se mostra ainda mais relevante em tempos de pandemia, quando as demandas judiciais restaram, por diversas vezes, completamente paralisadas pela suspensão dos trabalhos e dos prazos, além dos entraves encontrados na celebração de audiências e julgamentos virtuais.
E decorrente dessa flexibilização característica do procedimento tem-se a celeridade, cuja vantagem basilar pode ser diretamente relacionada ao custo: a ausência de imobilidade dos valores em litígio.
Afinal, não há obrigatoriedade de apresentação de garantias em juízo e, com o encerramento célere do conflito, a parte condenada não é prejudicada com os altos encargos resultantes de correções e juros, ao passo que a parte vencedora pode dispor do valor para investir da forma que entender mais vantajosa para si e para o seu negócio.
CONCLUSÃO
Diante da avaliação realizada, é possível perceber que para verificar o custo real de uma arbitragem devem ser consideradas todas as individualidades do procedimento, em especial a celeridade, flexibilidade, especialidade dos árbitros, sigilo e a tecnicidade da sentença.
Da mesma forma, a análise também deve considerar as individualidades do próprio setor agrário, de suma importância para a economia do país, do qual decorrem conflitos cada vez mais complexos e que exigem mais do que o Poder Judiciário é capaz de oferecer, como a própria celeridade e a análise dos usos e costumes aplicáveis, por exemplo.
Sendo assim, através de uma análise econômica de todos os aspectos envolvendo os conflitos no agronegócio brasileiro, é possível concluir que a maior eficiência prática de um procedimento arbitral acaba compensando os valores desprendidos originalmente com o litígio, em comparação com uma demanda judicial, que acarretará custos muito maiores pela sua formalidade e morosidade.
[1] Fonte em: <http://camarb.com.br/calculadora/> [2] Fonte em: <http://arbitac.com.br/wp-content/uploads/tabela-de-custos-e-honorrios-de-arbitragem-expedita.pdf> [3] Fonte em: <http://www.fiepr.org.br/para-empresas/camara-de-arbitragem/calculadora-1-29899-275640.shtml> [4] Fonte em: <https://www.tjpr.jus.br/calculadora-de-custas> [5] APELACAO CIVEL. ACAO DE RESCISAO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE SOJA. FUNCAO SOCIAL DO CONTRATO. LESAO ENORME. ONEROSIDADE EXCESSIVA. OFENSA AO PRINCIPIO DA BOA-FE OBJETIVA E DA EQUIVALENCIA CONTRATUAL. RESCISAO. POSSIBILIDADE. NOS CONTRATOS DE EXECUCAO CONTINUADA OU DIFERIDA, O DESATENDIMENTO DA FUNCAO SOCIAL DO CONTRATO E A OFENSA AOS PRINCIPIOS DA BOA-FE OBJETIVA E DA EQUIVALENCIA CONTRATUAL FAZ EXSURGIR PARA A PARTE LESIONADA O DIREITO DE RESCINDIR O CONTRATO, MORMENTE SE OCORREREM ACONTECIMENTOS EXTRAORDINARIOS E IMPREVISIVEIS QUE TORNEM EXCESSIVAMENTE ONEROSO O CUMPRIMENTO DA PRESTACAO A QUE SE OBRIGARA. EXEGESE DOS ARTS. 421, 422 E 478, TODOS DA LEI 10.406/02, NOVO CODIGO CIVIL BRASILEIRO. APELACAO CONHECIDA E IMPROVIDA." (TJGO, APELACAO CIVEL 79859-2/188, Rel. DR(A). JEOVA SARDINHA DE MORAES, 1A CAMARA CIVEL, julgado em 24/09/2004, DJe 14400 de 26/11/2004) [6] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 775.124 – GO. Fonte em << https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200501361007&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea >>
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