Por Rafaela Aiex Parra, sócia coordenadora na área Ambiental em Araúz & Advogados. Mestre em Direito Negocial - UEL, MBA em Agronegócios ESALQ/USP e em Gestão Estratégica de Empresas ISAE/FGV. Especialista em Direito Aplicado EMAP. Membro do Comitê de Sustentabilidade da Sociedade Rural Brasileira.
Encarar o meio ambiente como um ativo verde, pode ser caminho eficaz para que o conceito de sustentabilidade deflagrado na década de 70 durante a Conferência de Estocolmo - ONU, possa equilibradamente atender anseios sociais, ambientais e econômicos dos povos, não somente das gerações futuras, mas, principalmente, das gerações presentes.
Se por um lado a consciência global prega a preservação ambiental, de outra face procuramos caminhos para que a inflexão gerada pelo homem no ambiente não tome proporções destrutivas. Dessa maneira, há algum tempo e, agora nas projeções de um cenário pós pandemia, de forma acelerada, os Estados Nação e os mercados tem mobilizado-se para redirecionar fluxos financeiros a projetos que priorizem ganhos ambientais, bem como modernizar a legislação aplicável, tudo isso para que os mecanismos de comando e controle e de sanções premiais caminhem lado a lado rumo a um mesmo objetivo: o uso sustentável dos recursos naturais, entendendo sua limitação e valor.
Vale lembrar que a reestruturação da economia para um modelo socioambiental correto e responsável é pauta entre líderes mundiais há várias décadas. Em 1987 o Relatório Brundtland, “Nosso Futuro Comum” já previa diretrizes de sustentabilidade. No rol a preocupação em atendimento das necessidades humanas, aumento de produtividade e geração de oportunidades iguais. Tudo isso sem colocar em risco de escassez os sistemas naturais e a vida dos seres. É verdade que a interferência da Covid-19 em nossas vidas conseguiu, como jamais a teoria havia tido o mesmo sucesso, demonstrar a real necessidade do equilíbrio. A vida na terra, em toda a sua biodiversidade, é um sistema complementar e interligado.
Lavoiser - há mais de 200 anos - apercebeu-se que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, o que traz ao ser humano moderno a oportunidade e o desafio de encontrar meios que garantam essa máxima, tendo ao seu lado a evolução das ciências e da tecnologia. E aí está o Direito, pronto para parametrizar a disrupção para um mercado verde.
Em nosso País tal redirecionamento já é tendência e um exemplo de monetização eficaz dos recursos naturais é a matriz energética brasileira, que ocupa posto de relevância na produção e consumo de fontes renováveis quando comparados aos índices globais. A legislação que estabelece a política do Renovabio (Lei 13.576/2017) prevê incentivo ao mercado, vez que disciplina a certificação de créditos de descarbonização para que as empresas de biocombustiveis, etanol, biodisel, biometano, bioquerozene, entre outros, possam comercializar tais Certificados (CBIOS) em bolsa de valores.
Apesar de não haver qualquer subsídio ou aporte governamental direto, a legislação acaba por influenciar positivamente o mercado, seja para o atendimento de direitos individuais, como os de interesse difusos. Prova disso é que a Datagro realizou a primeira compra de créditos do RenovaBio para neutralizar suas emissões, neste ano de 2020.[1]
Outra fonte de Private Equity que merece ênfase são os Títulos Verdes ou Green Bonds para o mercado internacional, que são papéis utilizados para a captação de recursos e direcionamento vinculado a projetos e compra de ativos com a finalidade de trazer benefícios ao meio ambiente, sendo elegíveis projetos em variados nichos, como energia, agropecuária, florestas, entre outros. E aqui vale destacar o movimento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que, dentre uma gama de inicitaivas para “Destravar o Potencial de Investimentos Verdes para a Agricultura no Brasil (2020)”, busca desenvolver o mercado de títulos verdes, cujo tema já está na mesa de debates desde 2019, quando o MAPA celebrou acordo com o CBI Climate Bonds Initiative, para o fomento de práticas sustentáveis na agricultura.
Dados publicados pelo Climate Bonds Initiative - CBI (Junho/2019) sobre a emissão cumulativa de títulos verdes na América Latina denota a posição destacada do Brasil. As emissões cumuladas do País foram de mais de USD 5 bilhões de dólares, seguida do Chile com USD 2 bilhões de dólares e do México, com USD 1,40 bilhões de dólares.
O mercado de emissões de títulos verdes encontra sólo fértil em âmbiente privado. No Brasil grande protagonismo das empresas dos setores de energia elétrica e papel e celulose, destacando-se que a primeira emissão 100% nacional aconteceu em 2016.
Os Green Bonds tem princípios específicos de uso e gestão dos recursos, avaliação dos projetos e emissão de relatórios periódicos e o framework dos títulos demanda oportunidades multidisciplinares às àreas de Mercado de Capitais, Direito Ambiental, Contratual e Civil, notadamente na àrea consultiva, para afericão dos critérios de elegibilidade dos projetos, para efetivação de modelo de governança, implantação e gestão, no due diligence ambiental, pareceres e opiniões legais, indicação de cláusulas a constar da escritura e dos documentos societários e da própria oferta do título.
Hoje, para emissão de um título verde, é necessária a certificação pelo Climate Bonds Initiative, organismo internacional que fixa a taxonomia para o devido enquadramento e validação. Empresas que emitem second opinion também são demandadas e entregam uma espécie de selo verde, atestando que o projeto é elegível para categorização.
O mercado está aquecido de maneira global e, internamente, existe certa ansiedade para que a taxonomia para projetos agrícolas - que nada mais é do que um critério verificável ordenado por grupo de especialistas convocados - sejam eleitas pelo CBI de forma definitiva, sobremaneira porque o período de consulta pública já expirou. [2]
O anseio do setor e do próprio mercado, considerando a força motriz representada pelo Brasil no agronegócio e sua essencialidade, é de que já em 2020 possa haver a primeira emissão de um título verde desta categoria, afim de catalisar o aumento do investimento público e privado em intervenções de mitigação do clima, adaptação e resiliência baseadas na agricultura, demonstrando a vanguarda da agropecuária para além da porteira quando o assunto é adoção de novas frentes em busca da sustentabilidade.
[1] Reportagem do Valor Econômico: https://valor.globo.com/agronegocios/noticia/2020/06/12/datagro-fecha-primeira-compra-de-creditos-do-renovabio-para-neutralizar-suas-emissoes.ghtml ou as ferramentas oferecidas na página.
[2] No site do CBI, é possível observar que os critérios elegíveis para agricultura ainda encontram-se em desenvolvimento. https://www.climatebonds.net/standard/available
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